Confusão no cemitério na hora do enterro

Um típico velório como o de tantas famílias: choro, arrependimento, lembranças, elogios, hipocrisias a perder de vista. Ah, Brás Cubas, como me lembrei de você! Tinha de tudo. Vi os que estavam de mal e deram um show na igreja, quem agrediu e nem entrou para ver o caixão, quem explorou e fez de conta que não fez. Tinha de tudo… Mas, agora, pouco importa, já foi sepultado.

Foi sepultado depois de um princípio de confusão que ocorreu na manhã desta segunda-feira, 12, no Cemitério da localidade de Jacarandá, Marataízes.

O produtor rural, Lenilson Costa Ribeiro, 38 anos, amanheceu morto na manhã de domingo, 11, na cama de sua casa, na localidade onde morava com a família. A esposa dormia em outro quarto, não viu nada. Assustou-se pela manhã quando foi chamá-lo e ele não respondia. Estava morto.

Lenilson estava fazendo um tratamento contra uma possível pneumonia, diagnosticada na semana passada. Porém, não foi tão bem diagnosticada assim, pelo que ficamos sabendo. Nada de exames, nada de imagens…

Bem, Lenilson sofria de nanismo. O nanismo é consequência de um problema hormonal, ou médico, que faz com que o corpo não cresça e se desenvolva como deveria, fazendo com que a pessoa tenha uma altura máxima de 1,47 m e sendo denominada de anão, embora “pessoa de baixa estatura” seja a expressão mais aceitável. Mas, o que a família não sabia, era que os órgãos internos eram compatíveis com o de um menino de 10 anos e o comportamento também.

A esposa, Maria Lucia Ribeiro, disse que ele era uma criança, brincava com as crianças na rua. Os vizinhos amavam a pureza de Lenilson, que era muito querido por todos, em especial, pelas crianças. Uma vizinha contou à reportagem que não entendia direito por que Lenilson sempre que a via, abraçava-a e dizia repetidas vezes que a amava. Brincava de boneca com as crianças e de boleba. Não levava nada a sério, desconheceu a palavra preconceito.

corpo de Lenilson foi encaminhado ao Departamento Médico Legal, DML de Cachoeiro. Quando o legista abriu e viu que os órgãos eram minúsculos, assustou-se, tudo era compatível com o de uma criança de 10 anos, exceto o coração que era enorme e sangrava muito. E não é que Lenilson tinha mesmo um coração que não era dele, de tão grande? Sem apego, sem vaidade, sem raiva, brincalhão, era zoado por todos e morria de rir. Na comunidade, ele era muito amado, tão amado que a esposa nunca fez questão dele ter um comportamento de homem grande e ser mais sério. A família da esposa de Lenilson adorava o jeito dele ser. A sogra chorou muito, soluçava.

Mas muitos abusavam da ‘criancice’ adulta de Lenilson: exploravam, mandavam o mesmo trabalhar e pegar peso que ele quase não aguentava. Lenilson trabalhava muito, vendia abacaxi em vários locais.

 

Morto

 

Contudo, Lenilson amanheceu morto neste domingo e merecia um sepultamento à altura dele, especial, e não foi o que ocorreu.

Havia cinco covas abertas à espera de cinco corpos e nem uma era para ele. As covas eram para outros defuntos cujos parentes fizeram a solicitação.

O pai de Lenilson, um idoso com pouca informação, disse que ligou para um coveiro de nome Carlito e pediu que fizesse a cova, ainda no domingo. O expediente de Carlito terminou à noite e o enterro de Lenilson estava marcado para as 9h00 dessa segunda, 12.

O coveiro que assumiu o plantão nesta manhã era também Carlito e esse disse que não tinha sido avisado de cova nenhuma para Lenilson.

 

O carro da funerária chegou, o corpo de Lenilson vestido com o terno do casamento que ele pediu na noite de sábado à esposa, gel nos cabelos, um menino rapaz lindo que parecia dormir profundamente. Lenilson não morreu, para mim, ele já acordou onde merece estar…

Ele iria ser sepultado às 9h, mas em nenhuma daquelas cinco covas já feitas.

Foi um Deus nos acuda, o pai dizia que tinha falado com Carlito. A irmã, a esposa, todos teriam encomendado a cova, porém as covas não eram para ele. E lá ficou o menino à espera do seu sepultamento. O sol estava tinindo…

A jornalista estava na cena, é cunhada de Lenilson, não aguentou ver a situação e pôs-se a gritar em meio às sepulturas: CARLITO, CADÊ VOCÊ, HOMEM DE DEUS?” Lá de cima apontou um homem de camisa aberta e chapéu, andando rápido, o bafo de cachaça de longe deu para sentir.

De um jeito meio atrapalhado, veio logo se explicando: ‘Uma cova é uma senhora que se suicidou na Barra, a outra é de uma criança, as outras três já têm dono. Eu não vou furar cova nenhuma agora, que eu não fui avisado desse morto aí. Ninguém veio aqui me pedir por cova. Aquelas cinco ali já têm dono’.

Todos perplexos, o motorista da funerária querendo terminar o serviço logo, a família estava exausta depois de esperar por mais de 10 horas pelo laudo e descobrir que a morte de Lenilson teve causa indeterminada. Ninguém sabe se ele foi medicado com remédio de adulto, de homem ou de criança, ninguém sabe qual seria a dose certa. Nem o legista esperava por tamanha surpresa.

Lenilson ficou à espera do seu sepultamento. Eis que bem perto das cinco covas, estava o presidente da Associação de moradores. Ali, uma entrevista com a jornalista na cena foi logo feita, chamando atenção de todos: “tem imprensa no cemitério, agora o enterro será feito”. O coveiro decidiu antes da entrevista acabar. “Peraí, vamos sepultar ele aqui”.

Pegou a pá, arrumou direitinho a margem da sepultura para deitar o caixão e a família prestar a última homenagem. Logo, outro aviso do coveiro: “Não vou terminar o serviço, vou colocar umas pazinhas de terra e sepultar os outros, depois eu venho terminar”.

Sem problemas, Lenilson foi enfim sepultado, o caixão nem foi totalmente coberto e nem se sabe se ele ficará naquela cova, era uma criança, merecia ficar na ala das crianças. Um menino do bem, que morreu e ninguém sabe de que, mas deixou uma lição, ainda que humilhado tantas vezes, dizia amar a todos, até quem ele não tinha nenhum vínculo. Fica uma doce lembrança dessa confusão no cemitério, na manhã desta segunda-feira.

 

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