Pausas para a Literatura

Des (poetizar)

 

Tem gente que acredita que poesia funde do pranto. Acredito que versos se encharcam de lágrimas.

Mas, poesia também nasce de flores, vida ribeirinha, planos desfeitos e emendados.

Acredito na poesia que traz para perto olhos palavras de terra batida, raízes secas, planta insistindo em nascer.
Sei que os poemas costumam dançar. Gostam de dizer modinhas, músicas dos excluídos, dos que estão no meio da roda, dos que emudeceram.
Poesia é de tanta gente, daquele que costura, gosta de contar feitos e lamúrias.
Daqueles que descansam a alma e dos que riem em alto e bom som. Daqueles que se atiram às paixões e dissolvem- se de todas elas.
Poesia grita, corta, inflama, afaga, perdoa e esquece. Poema salta dos músculos, das mãos endurecidas, pernas que perderam a força, pele ressequida, olhares nobres e tortos, alma que goza e ascende, coração destituído e mirabolante.
Poesia é de contentamento, força, dor, memórias, balbúrdia, vácuo.
É poesia eu dizer, você calar, voz das ruas, casas agonizantes.
Poesia é eu amar, descartar, clamar, deixar e trazer.
Poesia é visceral, astral, surreal, teatral.
Poesia são partes que colam na gente.
Poesia, assim dizer, são espaços habitados e vazios deixados nos corpos correspondidos e instituídos.
Poesia é o querer sem sentido e as insanidades racionais.
Poesia que espreita e conforta.
É desconstrução tão detalhada.
Poesia que digo nas ausências e cheia de si.
A poesia que, sorrateiramente, ecoa,  todos os dias, discursos de morte e reinvenção.


Ausência de antes

Enchi a casa de poesia,

aterrei cenários e confrontos,

veiculei mensagens de paz

e anunciei alegria ensolarada.

Nada de guardar versos para     mais tarde.

Nem jurar as mais preciosas inverdades.

Dormi o sono dos injustiçados

e daqueles que se anunciam aos goles.

Acrescentei o fermento da receita de bolo

e quis guardar a palavra em plano secreto.

Invoquei o amor mais sincero

E o amor que me negasse a morte

(talvez seja minha maior canalhice).

Refutei os discursos mais óbvios

ditos em covardia.

Quis a coberta esticada na cama

e as louças organizadas por tamanho

e importância.

Desejei a emoção do outro

como o texto que gostei do poeta da revista.

Não quis as memórias de corrente e

que me aproximam do porão, do caos que ainda teimo dizer.

Senti náuseas ao adentrar lembranças e

adivinhei o que não quis pensar.

Olhei o cheiro das flores deixadas no primeiro poema

e o odor das palavras que escorregaram e se fizeram repousar.

Sacralizei o improvável e profanei minhas ilusões.

Agora, não abortarei o mundo que insisto.

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