PAUSAS PARA A LITERATURA

“Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando”.

Manoel de Barros

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Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor.
Acho que a poesia está contida nisso tudo.

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Crônica

Entre ventos e varanda

Ela nunca foi dada à felicidade gratuita. Sempre haveria um porquê para tamanha felicidade e infelicidade também. Não era leviana em seus discursos nem displicente com suas emoções. Sabia, em todos os ângulos, aonde chegaria e em que moradas seu coração iria permanecer.

Nada de suavidades, tecido fino, veludo enrolado no corpo. Tinha agulhas, pregos e inchaços na alma. Não era covarde com o desconhecido nem com o que guardava dentro de si. Era danada demais para cicatrizar e, vez ou outra, entrava em erupção. Sabia que não pernoitava no comum. Era sensível, explosiva, presente, vigorosa.

Ela não considerava as conversas atravessadas como bobagens. Aliás, bobagens ganhavam refinamento em sua fala abusada, sem grandes talentos, mas com propriedades. Tinha força o que dizia, mesmo que enigmática e inconstante.

Sentava na varanda, naquelas tardes que ninguém espera, de vento pomposo e folhas ao chão. Mesmo que não brotasse alento, apreciava o que de bom trazia a natureza e seus hemisférios desconhecidos. Era bastante olhar como se nada viesse, como se o mundo tivesse seguido o curso e ela, ali, intacta, roendo-se em dilemas.

Seus membros enraizavam-se naquela varanda. Ficava em vigília consigo mesma. Era uma espera desmarcada, sem pressas para que, em minutos ou séculos, tudo -ou quase- resolvesse. Seus devaneios persistiam sublimados. Permaneciam.

Ela, mesmo calada, causava ebulição em seu espírito efervescente, mirabolante. Sua palavra não lhe causava todos os dias a mesma comoção, nem lhe ofertava conforto. Tinha o intuito de seguir mesmo que hiatos andavam em sua cabeça.

Nada de responder mensagens, e-mails, ataques pessoais, frasezinhas de carinho, acenos gratuitos. Nesses dias, queria o silêncio dos conflitos, a ausência das intenções. Desejava o mundo inteiro em um breve segundo e segregava, por alguns momentos, o melhor dos dias. Era danoso persistir, querer. Inflamava-se.

Nada de comoção ou abandono. Nada de plateia e bilheteria. Queria sobreviver, mesmo que os dias fossem alternados, mesmo que sua felicidade não ganhasse rotina e dias pares. Era preciso respirar, ganhar oxigênio, destampar o que estava lançado no poço.

Ela não queria cenários de domingos, nem semear o improvável. Sua alegria tinha data e hora, tinha casa, Sol, nuvem e estrela encantando o céu. Sinalizava, agora, que felicidade também se equacionava.

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