Sem salário Dona Zuly foi vereadora por amor à Piúma
Antigamente, assistencialismo era prática normal, entre políticos, mas o vereador não tinha salário, trabalhava por amor.
Para as crianças e os adolescentes da atualidade, palavras como cacimba, lata d’água, fecho de lenha, lamparina, talha de água, bule, chaleira, bacia de alumínio para banho, são completamente desconhecidas; mas, para quem tem meio século de vida ou mais, viveram neste tempo onde a energia elétrica em casa era um privilégio para poucos, como água encanada.
Recentemente em uma visita à casa de dona Zuly da Silva Taylor, 81 anos, vereadora em Piúma nos anos 60, a prosa foi longa e, resolvemos compartilhar com os leitores do jornal, em especial àqueles que gostam de história.
Depois de uma campanha política onde os candidatos percorreram os quatro cantos da cidade, fizeram comícios e carreatas enormes na tentativa de angariar votos para os cargos de prefeito e vereadores, o jornal decidiu publicar o bate papo com a ex-vereadora, Dona Zuly, para estabelecer um paralelo entre a época em que Bassul, seu Hélio Marvila, ela e tantos outros trabalhavam por amor à cidade, e não recebiam nem um centavo de ajuda de custo. Muito pelo contrário, tiravam o pouco que tinham para ajudar quem não tinha nada. Os dois sacos de cimento para bater um piso grosso, numa sala de um barraco, foi um exemplo contado. Depois de passar dias e dias no mar, seu Alfredo teve de dar à dona Zuly, dinheiro para esta compra, pois ela não aguentou ver o sofrimento de uma senhora.
E talvez de forma ingênua, naquele tempo, eles faziam assistencialismo, sem compreender que estariam praticando um ato que atualmente é considerado crime, mas é muito usado pelos políticos oportunistas para ganhar a qualquer custo a eleição e assumir uma cadeira no poder, seja no legislativo ou executivo.
Numa época em que, para conseguir equipamentos para o Hospital era preciso viajar em uma Kombi velha, pela estrada de chão, até Vitória, atrás de um deputado para pedir, pelo amor de Deus, ajuda. E, sem direito a um pão com manteiga ou um café com leite. Imaginem, se não tinham salário, como teriam diárias?
A prosa foi longa, fica o registro desta conversa, no jornal, que detalha a paixão pela política que levou dona Zuly a exercer três mandatos de vereadora, pedindo voto a pé, do centro da cidade de Piúma a São João de Ibitiba, passando pelo Vale do Orobó.
O mesmo Vale onde o pai dela plantava arroz e ela, com água no pescoço, na várzea, levava a marmita e, por lá, ficava o resto dia antes de ser vereadora. Vereadora de graça.
Sim, Dona Zuly, a mãe dos irmãos, Alfredo Xavier Júnior, o Juninho Taylor, Leonardo e Vinícius, avó de seis netos e um bisneto, conta que a vida não era fácil. Carregou muito fecho de lenha na cabeça, ia à mata, lá nos pés do Monte Aghá, atravessava o rio para lavar roupa doutro lado, de onde também retirava água e trazia na lata na cabeça. Tudo era a pé.
Como eram as campanhas para conseguir carne, leite, peixe, tecido para fazer lençóis ao Hospital. E era ela e outras boas senhoras que faziam, em casa, bolos para servir de merenda no café da tarde para os doentes internados.
Êta tempo que nunca mais volta, se tinha rasteira para ganhar a presidência, não se sabe, mas o “homem” tinha palavra e amor à cidade.
A roleta, o Jipe carregado de coisas, a dedicação, e a certeza de que ajudar o próximo era um ensinamento divino.
O assistencialismo com a máquina pública da atualidade é outro patamar, tem a intenção de enganar a população com a farsa de ser um bom ser humano, que doa um caixão comprado com os impostos do próprio morto. Que se agenda uma consulta em detrimento de outro que morre à espera.
Dona Zuly, este tempo não existe mais. Seu Bassul, seu Hélio, seu Miguel Miranda, dona Edna, dona Olga e tantos filhos ilustres desta amada terra, agora a conversa é outra. O salário é bom e as regalias muito melhor ainda e, se perder a eleição, não tem mais conversa.
Um capítulo à parte
É bom deixar claro que não se pode romantizar que todos eram bonzinhos, havia os mais espertos que enriqueceram às custas dos mais pobres. Um exemplo vem da Vila de Iconha, cuja sede era aqui, Piúma, dos sócios da firma Duarte & Beiriz, mas isso é prosa para outro capítulo, e o ano era nos idos de 1.800.
A referida casa comercial polarizava a vida da vila, “era o vendeiro que, por estar próximo do produtor e ser o único com instrução, estabelecia os vínculos com as pessoas. Ele era o responsável por dar conselhos, ajuda econômica e apadrinhar. Como o comerciante também era o político, arrumava empregos públicos e fazia as leis do município”. Dominava tudo.
O comércio foi o sustentáculo de poder político à medida que através dele o coronel manteve a sociedade atrelada à sua casa comercial e, portanto, deveria retribuir por meio do voto, “A firma financiava as obras que, para a população dominada, era um ato de bondade, mas simbolizava, na verdade, o poder do coronel na região”. (Aldieris Braz Amorim)