Ah, a despedida
O texto é de opinião, uma breve homenagem ao professor de História , pai de Júlia e vô de Manu, Alex Dolabella Libard.
Realmente, nós somos muito “boçais”, com perdão da palavra em seu significado denotativo. Perdemos tanto tempo na vida com bobagens, querendo ter razão em nossas opiniões, culpando o outro pelos nossos erros e a vida se esvai. Ou melhor, a vida vai embora. Quantos querem impor a sua religião, a sua idologia politica, e quantos criticam até a vida intima do outro. E de repente, não há mais tempo nem para responder aquela mensagem, dá aquele último abraço, dizer: eu te amo.
Foi ontem a última mensagem do pai à sua única filha. O celular descarregou. Ela não teve tempo de responder na mesma hora, estava de plantão. É enfermeira. Eles combinavam o feriado em Piúma. Ela mora em Castelo.
Alex Dolabella Libard, formado em História, estava diretor na Escola do Céu Azul, em Piúma, onde era efetivo e foi coordenador por um bom tempo. Conhecia todos os alunos e pais como a palma de sua mão.
Estava tudo certo, Júlia, sua filha conseguiu trocar o plantão na Santa Casa onde atua e feliz da vida porque ia vir passar o feriado com o pai e traria Manu, a sua neta lindinha.
Mas Júlia achou estranho, ligou várias vezes e ele não atendeu. Não visualizou mais as mensagens no telefone depois das 16h00 de ontem.
Como de costume, tomou duas cervejas, fumou seu cigarro, tomou banho, e deitou-se, nu. Foi-se dormindo, é o que a cena no quarto indica. Tudo arrumado, nada fora do lugar. Não houve violação na cena, tudo preservado.
Júlia pressentiu que algo havia acontecido com o pai, ele jamais ficava sem responder uma mensagem ou atender um telefonema. Ele também não deixava de ir à escola, nem um dia.
Tinha consulta hoje em Vitória, mas antes de ir certamente iria ao colégio dar os comandos. Havia prova do PAEBES e ele gostava de ver tudo, cada detalhe.
Lá na escola os colegas também acharam estranho, ele não atendeu ligação de ninguém e nem respondeu mensagem alguma. Ligaram para o consultório, mas ele não compareceu. O clima ficou estranho.
O secretário de Educação foi pessoalmente ao DPM solicitar que a Polícia fosse à casa de Alex com Lucas, o coordenador da escola averiguar se ele estava por lá. Na garagem o carro que havia acabado de trocar, estava feliz da vida e a moto. Algo havia acontecido. Alex se foi e não se despediu de ninguém. Silenciosamente.
Os policiais foram muito respeitosos e humanizados. Não arrombaram a porta, usaram uma escada e entraram pela báscula aberta. Permaneceram durante todo o tempo fazendo a proteção do imóvel para que ninguém mexesse no corpo e nem tivesse acesso a nenhuma imagem.
Ficam os agradecimentos de toda equipe da educação e toda equipe da escola que esteve o tempo todo apoiando a família.
Entrar à casa de Alex e ver tudo tão organizado, o varal com as peças de roupas penduradas, camisas, bermudas, cuecas e meias. Os tênis um ao lado do outro, o par de chinelos no pé da cama, o sofá, a cozinha, os copos todos lavados, arrumados. Os álbuns de retratos, os desenhos com declarações de amor de Manu na cômoda.
Tudo ali, e ele não mais. Os perfumes que mais gostava, suas roupas, o relógio, os óculos, o celular descarregado.
Na geladeira, o prato que certamente ele mais gostava: feijão tropeiro, costela de porco e linguiça no pote. Uma garrafa de um bom vinho, energético, refrigerante e uma caixa de Heineken.
Tudo ficou, como as moedas no copo e o maço de cigarros na mesa.
Ficou um vazio no ar.
Que difícil, escolher a roupa que será vestida, ironia do destino, nem a roupa podemos escolher a que vamos vestir para nos despedir dos amigos que ficaram.
Ficaram Alex, as boas lembranças de quem teve a oportunidade de conviver e viver com você.
Para Júlia, você nunca mais será esquecido. Você jamais largou da mão dela e ela sabe ser grata porque cada segundo da vida, foi com você que ela dividiu os momentos mais difíceis. A adolescência e a juventude precoce. E ela tem consciência de que você viveu o seu tempo aqui da forma que gostou de viver.
Sem críticas agora ao seu estilo de vida, a vida era sua, e por isso viveu intensamente até o último momento. Namorou bastante né?
Manu sabe quem é o avô dela que se foi. Simone e Júlia conheceram bem você, seus colegas da escola e seus alunos.
Cara, a gente não teve a oportunidade de tomar uma juntos, mas eu proponho um brinde ao cara que deixou a sua marca em Piúma.
A educação de Piúma agradece a sua contribuição. A Prefeitura decretou três dias de luto oficial. A educação está de luto. E amanhã, não haverá aula. Flamenguista, vá em paz e pra você, um brinde!