De Shakespeare a Machado de Assis – Morte de Edival romantiza política anchietense
Vida e morte de ex-prefeito foi misto de Brás Cubas e Hamlet. Estrategista e contraditório, Petri teve funeral de estadista na pequena Terra do Santo Capixaba.
Escrito por Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é um marco do Realismo brasileiro. A obra revolucionou os romances do país com sua crítica sutil, inovadora e inteligente. Bem à frente da burguesia do século XIX.
O livro surpreende já nas primeiras linhas, onde o defunto-autor que dedica seus escritos: “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”. O defunto em questão, era um bravo capitão, forjado em duras águas.
O mais breve dos escritos shakespearianos, Macbeth, tem também parte neste episódio. Na obra, o Bardo descreve sobre um regicídio e suas consequências.
Em Anchieta, o capitão da nau em questão, escrevera dois livros: um deles na prisão, depois de uma condenação antecipada e repleta de holofotes da mídia. Saiu sob grilhões e ilações injuriosas de “ladrão e corrupto”. Retornou como herói, com direito a desfile em carro aberto, acompanhado por carreata quilométrica de “devotos” e filhos políticos. O outro livro, simplesmente desapareceu. Nenhum deles foi ofertado aos vermes que roeriam suas frias carnes.
Na ficção, Brás era um fraco, O capitão não. Brás era mimado, o capitão – Educado. Macbeth era sanguinário; seu autor, o mais sensível e romântico de todos os tempos. Em comum, a fusão perfeita para a construção de um mito. Principalmente em tão caloroso terreno político, como Anchieta.
Fantasias à parte, Edival não era um Brás, sem nenhuma realização, ocioso. Era trabalhador e fazia bem o que se propunha. Em 20 anos de vida pública, Petri construiu um legado político. Ele também não era um Macbeth, o mal personificado. Macbeth, era, antes de tudo, burro e fraco. Adjetivos que nem de longe cabem ao ex-prefeito.
Nada mais literário e “romantesco” que o funeral de Edival Petri. As cenas das várias etapas das homenagens póstumas prestadas ao eterno líder foram de secar a garganta e ameaçar inundar olhos até dos desafetos dele. Uns de emoção mesmo, outros, de temor. Sim… Temos diante do mito, do mártir que ali nascera. E, leitores, já postou uma amiga querida: “ Brasileiro adora um mártir”!
Ali, sob a sombra de uma árvore ou sob o sol escaldante, cuja luz insuportavelmente clara realçava o azul do céu e o branco do Santuário com o colorido das roupas dos “órfãos” do líder. Enquanto a missa era rezada; ou nos bancos da igreja com o cadáver ainda quente, o que mais intrigava, era a especulação única: “E agora?! Quem o sucederá? Que vantagem abriu o atual prefeito, hein?!
E é nesse cenário quase fictício que adornava o antigo templo do Santo Anchieta, que as lembranças do século XVI alcançam a memória.
Ora ora….O caminho no mato era estreito, e por ele, pobres e ricos, negros e índios iam rezar no templo, separados pela porta lateral do santuário. Naquele funeral, no mesmo templo, todos estavam por uma única causa, se despedir do grande líder.
Naquele cenário triste e com cheiro de flores e ao som de cânticos fúnebres, um grupo de “amigos de Brás”, estava ali, senão pelas apólices deixadas, como narrou o defunto autor das Memórias, por um legado. Ou ainda, para ver se fato era mesmo o capitão daquela nau que estava envolto em tantas bandeiras. Era! Para desespero do grupo que só voltaria a suprema corte se ele estivesse vivo, a realidade era tão trágica como o grito de Lady Macbeth: “ O Rei tombou…”.
O rei tombou… e um mártir acabara de nascer. E a figura de um mártir é potencialmente perigosa. A sociedade é carente de dramas, vítimas, mitos e mártires.
Amigos e inimigos do rei, alguns, ávidos pelo posto de sucessor do legado do peemedebista, talvez não tenham se dado conta da tormenta que se formará nesse mar com a nau Petri à deriva.
Entre nomes, aliados, adversários, prazos e filiações, fica, aos menos néscios, a pergunta: Quem…quem… quem, amigo do capitão, poderá conduzir a nau e pegar os remos incentivando os pobres tripulantes a espera de um lugar no cais?
Reza vela:
– Diante do corpo sem vida de Edival, era possível ouvir conjecturas do tipo: Seria o filho, seu substituto? Ah, mas não tem “pegada”…
– Doutor, o prazo está vencendo! Qual? Do sepultamento? Nãaaao, das filiações!
Resumindo a ópera: demonstraram, como os amigos de Brás, boas coisas. Praxe posto restam as reuniões… Algumas de alcovas, outras, mais sinceras. Há sete nomes nas listas entre os amigos do capitão. As imagens me foram muitas. Algumas, bem claras. Anônima na sombra da igreja, ouvia, fingindo nada escutar: “Fazer o quê? Ele está morto”. Na sombra da castanheira eu via uma senhora a chorar, sinceramente.
A nau está à deriva e os tripulantes tentando segurar o remo, o capital, não, o rei tombou!