“Tem que morrer um verme desses”
O trecho que dá título ao presente artigo é apenas uma das milhares manifestações com o mesmo sentido que infestaram os comentários dos sites de notícias
O trecho que dá título ao presente artigo é apenas uma das milhares manifestações com o mesmo sentido que infestaram os comentários dos sites de notícias, que informaram a prisão de Leonardo Nascimento dos Santos, no dia 16 de janeiro, acusado inocentemente de matar Matheus dos Santos Lessa no último dia 15.
Na ocasião da prisão, o delegado responsável pelo caso, Evaristo Pontes, disse que “o meliante” foi preso “em flagrante” e que permaneceu em silêncio. Disse, ainda, que foi reconhecido por quatro testemunhas, incluindo a mãe de Matheus. Em nenhum momento falou em suposições, mas ao contrário, foi para a imprensa dizer que o responsável pelo assassinato estava detido.
Houve milhares de manifestações na internet dizendo que Leonardo “merecia morrer”, que “deveria ser jogado no mar”, que “deveria levar um tiro na cabeça”, que “agora ia se dizer inocente igual a todos os bandidos”, e coisas ainda piores. Além dos muitos ataques aos advogados de um modo geral, dizendo que agora ia aparecer “um monte de defensores de bandidos” para defender “o verme”, que tais defensores “são piores do que os bandidos que defendem” etc.
Desde o momento da prisão de Leonardo, a família foi enfática ao dizer que ele era inocente, e apresentaram um vídeo que o mostrava em local distinto ao do crime, com poucos minutos de diferença, de modo que seria impossível um deslocamento tão rápido, o que provaria que ele não era culpado pelo assassinato. Qual foi a reação de muitos das redes sociais? “Todos se dizem inocentes”, “e se a hora da câmera estiver errada?”
Fato é que, muitos inocentes, acusados dos mais variados crimes, acabam sendo condenados após passarem por inquéritos policiais elaborados com o fim único de condenar, não de investigar – muitas vezes embasados tão somente em relatos e/ou reconhecimentos de vítimas abaladas, sem condições emocionais de reconhecerem o autor do fato. Após denúncias serem feitas pelo Ministério Público, sem sequer obedecerem aos requisitos legais mais básicos previstos no Código de Processo Penal, após juízes de Direito rejeitarem os mais óbvios erros apontados pelos advogados de defesa, acabam condenando inocentes sem realizarem uma perícia simples (não poucas vezes, armas utilizadas em crimes, são apreendidas e manuseadas por terceiros e sequer se busca impressões digitais), sem se analisar provas, sem que instrumentos utilizados nos crimes sejam apreendidos e, muitas vezes, quando apreendidos, descartados, impossibilitando a defesa de constituir provas que seriam suficientes para absolver. Numa sociedade onde “todos são considerados culpados até que se prove o contrário”, uma vez suspeito da prática de um determinado crime, pode-se dizer que apesar de todos os pesares, Leonardo Nascimento dos Santos foi um inocente que teve a sorte de passar numa rua que havia uma câmera, praticamente no mesmo horário do crime.
No Direito Penal há um brocardo conhecido que diz que “é melhor absolver mil culpados do que condenar um inocente”. Referido dito, popularizado no meio jurídico, remete a um princípio que se torna fundamental quando a dúvida paira sobre uma acusação, o “in dúbio pro reo”, ou seja, na dúvida, o benefício é sempre do réu. Nesse sentido, para que haja uma condenação criminal, é absolutamente necessário que inexista qualquer sombra de dúvida de que aquela pessoa acusada da prática de um ilícito penal tenha de fato o praticado. Não é aceitável proferir sentenças condenatórias, como muitos magistrados têm feito, baseados em inquéritos policiais mal feitos, em denúncias do Ministério Público pobres e sem fundamentos e baseadas em ilações, inferências, hipóteses, presunções e suposições.
Muitas vezes, pior do que as injustiças oficiais perpetradas pelo Estado em seu dever de julgar, são as injustiças jogadas ao vento pela sociedade, seja nas redes sociais, seja nos comentários das mais diversas notícias, mas igualmente ou ainda pior, os julgamentos da imprensa, que acabam por convencer o homem médio a julgar como certo o errado e errado o certo.
Quanto ao caso de Leonardo, as imagens de vídeos apresentadas pela defesa, não foram suficientes, precisou de uma outra pessoa ser presa, confessar o crime e dizer que Leonardo não era o outro cúmplice do crime, mas um terceiro que ainda está foragido. A Polícia Civil – a mesma que havia dito que o prendeu “em flagrante” – assumiu o erro (não pediu desculpas) e, solicitou a revogação da prisão. Com isso, o falido Estado do Rio de Janeiro se torna devedor de indenização para Leonardo, haja vista a grande injustiça que fez com ele, além de todos os constrangimentos e julgamentos que atingiu sua honra em todos os aspectos.
Há de fato que ter um ajuste na legislação penal e também processual penal, mas ajustes maiores devem ocorrer nos agentes que atuam nos processos, desde a fase inquisitorial, passando pela acusação até a sentença, para tentar cada dia mais fazer com que prevaleçam os verdadeiros critérios de Justiça e que as injustiças sejam cada dia menores nos nossos Tribunais. E espero que assim seja nos Tribunais, porque acreditar em “julgamentos” justos das redes sociais soa a utopia.
Por Diego Rocha/Advogado
Fonte/ Jornal Fato