AS AMPULHETAS DO PODER
ARTIGO: Paulo José A. Branco – Advogado – OAB 5513/ES – Pós Grad. Gestão Pública – Especializado em Gestão Pública/ Procurador do Município de Itapemirim (ES)
A estória começa assim… (ou como talvez seja mais comum, “Era uma vez…”) (Eu não gosto muito de “pontos ao final”. Prefiro as reticências, pois sempre há algo mais a dizer sobre alguma coisa. Aspas, e travessões, destacando algo dito, que pode ter uma “beleza oculta”)
Na verdade, ninguém realmente sabe como, ou quando, tudo –ou cada pedaço que forma (?) esse tal de “tudo”‑ começa…
Mas antes de propriamente entrar no assunto, vou me permitir contar resumidamente uma estorinha. Talvez já tenha lido em “full version”. Nosso viver –não disse “vida”‑ em sociedade é como uma panela enchida com água. Alguns são sapos, outros são cenouras; outros, ovos; outros, ainda, café em pó. O “viver” literalmente “põe pra ferver”. Alguns são sapos, que ficam na água, esperando a princesa encantada com o beijo mágico, mas não se dão conta que está esquentando, e acabam por morrer cozidos. Outros, entram n’água frágeis como ovos, que se endurecem quando cozidos; ou rijas como cenouras, que amolecem no cozimento. Tanto um quanto outro, mudam só a si mesmos. O café, ao se misturar, “muda o ambiente”. Ah, sim, e tem aqueles sapos postos na água quente, e que dela saem tão rápido quanto entraram, e para ela nunca mais voltam. Pois é, cada um passa pela fervura de um jeito…
De tempos em tempos alguém fica “irado” com outro alguém, que está lá em uma cadeira –ou trono‑, “governando”. Vá lá, esse último alguém pode ter feito algo, ou um conjunto de “algos”, que deixou aquele primeiro alguém irado. Ou, ainda, esse primeiro tem a “firme convicção” que esse último não fez o que deveria, ou fez o que não deveria…
Esse “alguém governando” pode muito bem ser um rei –monarquicamente falando, incluída sua hierarquia: príncipes, duques, barões etc.‑ ou um “rei” –aquele “alguém” que “vive-como-se-fosse,senhor em um “estado paralelo”, padecendo em paraíso de grande fortuna, amealhada pelo labor alheio, ou pelo poder infligido àqueles que rotula “súditos”, submissos pelo tráfico, literal ou de influências.
Mas também pode ser um “pinguim de geladeira” (isso ainda existe?) posto lá na tal “cadeira” pela voz dos poucos que tem muito e ainda querem mais, “camelôs de sonhos” capazes de vender picolés para esquimós, ou cobertor para beduíno. (Tudo bem, não vamos desacreditar nas multivozes capazes de escolher um entre muitos pinguins…)
Encastelado no conforto que o poder lhe assegura, estabelece seu feudo, cercando-se dos “bobos” que a corte produz para lhe fazer rir, e da “claque” que o aplaude sempre. Esse feudo existe no etéreo perfume que “aluga amigos”, e na névoa que obscurece a visão do “apoiador incondicional”, aquele que escolhe a bota que lhe pisa o pescoço, mas que nunca se vê pisado. Lembra um personagem, que há muito eu vi em uma tirinha de jornal: o Alceu Dispor, adulador profissional e “personal asslicker”.
Em algum momento dessa estória, os órfãos do poder, ou aqueles que la nunca estiveram (mas sempre quiseram estar), “cansam” de ficar de fora, e de um jeito de outro “resolvem entrar no baile”, “reequibrar” a balança, introduzir uma “nova peça” no tabuleiro do jogo. (Quando digo “de um jeito ou de outro”, relembro a sutil arte de “penetrar” em festa alheia. Pouco importa se vai entrar pela porta da frente ou pelos fundos, ou janela: “já declarei que a festa é minha!”) Alguém que diz ser igual aos órfãos, que quer fazer acreditar ser da mesma “casta alijada”, alguém que vai falar pelos descamisados e empobrecidos. Tão crível quanto o patrão que diz que vai lutar pelos direitos do peão. (Engraçado… agora me dei conta que há quem acredite…)
A vida sempre é pródiga em trilhas sonoras, não é? Não me furtaria a relembrar, nesse momento, Geraldo Vandré, e “Pra não dizer que não falei de flores”; Titãs, em “Desordem”; Legião Urbana, em “Que país é esse?”; e Banda Bassoti, em “Bella Ciao”. Longe se vai, melhor ouvindo (boa) música.
Então, nessa “marcha”, aparece outro alguém, caminhando misticamente sobre suas convicções ‑próprias, ou que crê piamente serem suas‑, ou seu ego (esse é personalíssimo. Mas aquelas… bem… quem já não teve uma idéia maravilhosa que outros já tiveram antes?). E que me perdoe Alceu Valença (não o outro, quem já falei), esse “alguém” caminha como se “Anunciação” fosse seu hino pessoal. Sente-se (e quer fazer crer) “o remédio para a doença”, “o salvador da pátria” (Não vou dizer “messias”, pois isso já deu problema recentemente…). Para quem viu, uma cíclica versão de um “Sassá Mutema”. Pode também ser um soldado derrotado numa grande guerra, que resolve começar outra. Ou um outro, indisciplinado, que já oficial, quer cobrar disciplina. Pode ser alguém que se declara contra privilégios de “marajás tupiniquins”, mas ao provar do mel, se lambuzou. Pode ser também ser também um trabalhador, que descobre que o melhor trabalho é fazer os outros trabalharem (por ele?).
Esse “salvador” “investirá” (aqui, no sentido de “ir de encontro”, mesmo porque o “investimento” nem sempre sai do bolso salvador) contra um poder (que diz ser) “velho e impopular, corrupto e falido”. Suas “ideias novas” (sempre) são o que os “órfãos e alijados” querem ouvir, e (sempre) é pelo que “desejam” “lutar”. Nada mais místico que fazer o peão crer que será patrão. A subida ao poder é inevitável: sobe oposição e desce situação (mas é como uma ampulheta: a areia sempre escorre de um lado a outro, e basta girar e tudo recomeça)
Mas, o tempo passa. Sempre passa. Para quem lembra, uma personalidade que gostava de correr com seguranças aos domingos para as câmeras jornalísticas, saiu com uma camiseta temática: “o tempo é o senhor da razão” (será que ele mesmo aprendeu com isso?) O salvador se afeiçoa ao poder, aos novos “amigos e encargos” que lhe advieram. O poder é um “ser-vício”, fazer o que, não é? O salvador crê que o “mais certo” é “perpetuar suas (?) ideias”, base para manter a “nova ordem” que “criou”. Seu “herdeiro” –genético ou ideário‑ é a escolha certa. Seja porque é sua “herança fidedigna”, seja porque é fruto da escolha do salvador (e ele nunca erra).
Mas, ora, esse herdeiro tem sua própria maneira de ver a “genética” da convicção ou ego (quantos filhos de famosos, querem ser famosos “descolados” dos pais, mas sem abrir mão do sobrenome? Já vi esse filme…), e essa “genética” não garante “clonagem”. Mais, passa a crer que pode “ser mais, ir mais, fazer mais”. “Parafraseia” o olímpico citius, altius, fortius. Suas convicções e seu ego lhe garantem como a única medida de certeza. Vê nas opiniões contrárias “obstáculos à ordem e ao progresso” (Mera coincidência ao dístico da flâmula pátria). E assim “conclui” que o “mais certo” é a “unanimidade”. Fabricada, comprada ou imposta, é o que importa.
O herdeiro do salvador se torna a versão revista e “melhorada” daquele que seu antecessor combateu. Qualquer saudosismo é crime lesa-pátria, verdadeiro “motim”, “alta traição aos (meus) princípios”.
E qual é “amoral” da estória? O salvador gerou um déspota. Outro “alguém”, sentado na cadeira, deixando um outro “alguém” “irado”. De novo. Mais uma vez.
A linha do tempo é um círculo. Um cão que corre querendo morder o próprio rabo, e fica amuado quando o alcança.
A estória se torna história. E a história, ladies and gentlemen, é contada por quem ganha…
Foto: Sassá Mutema – divulgação TV Famosos