Artigo: Mais do que reciclar, é preciso reduzir a geração de resíduos sólidos no meio ambiente
por Gustavo Fanaya*
Já parou para pensar na quantidade de lixo reciclável que você e sua família produzem mensalmente? Anualmente? Ao longo de suas vidas? Vocês certamente se surpreenderiam… Com a pandemia, o volume de lixo doméstico cresceu mais de 15%, segundo estimativa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). A destinação final de todo esse material está entre as principais preocupações quando falamos em sustentabilidade. Segundo o Relatório Abrelpe, em 2019, mais de 29 milhões (40,5% do total) de toneladas de resíduos sólidos urbanos foram destinados inadequadamente no meio ambiente.
O estímulo à reciclagem é uma das principais soluções apontadas para a resolução do problema. Dessa forma, é possível fazer com que resíduos descartados pelos consumidores possam voltar à cadeia produtiva como matéria-prima, no processo que conhecemos como logística reversa, um importante elemento da chamada Economia Circular. Mas, além de investir em reciclagem, é preciso pensar no assunto de maneira mais ampla. Um dos principais desafios em relação à gestão de resíduos não trata apenas de reciclar, mas de reaproveitar e de reduzir o volume de lixo. E de uma forma em que todos, sem exceção, participem do processo, seguindo os princípios da responsabilidade compartilhada, previsto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), vigente desde 2010.
Para a sociedade de consumo de massa as embalagens dos produtos são um importante instrumento de marketing, agregando valor aos produtos e alavancando as vendas por impulso. Vencer a disputa pela atenção do público nas prateleiras é um imperativo para qualquer empresa sobreviver e crescer em mercados competitivos. Além disso, as embalagens devem garantem a integridade de seus conteúdos.
Cerca de 80% do lixo doméstico é composto por material reciclável, em sua maioria embalagens pós-consumo, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Apenas o plástico, um dos mais comuns tipos de embalagens, representa 13,5% do total de resíduos sólidos gerados no país (mais de 10,5 milhões de toneladas). Porém, as embalagens e pacotes de papel e papelão multiplicaram-se com a pandemia em decorrência da explosão das compras por e-commerce e dellivery. Alguns exageros são tão recorrentes que passaram a ser padrão, como a utilização de embalagens duplas ou desproporcionais ao tamanho do produto, criadas exatamente para passar a ilusão de que o conteúdo é muito maior.
O problema disso tudo é que não há lugar no nosso planeta para depositar tanto volume de material descartado e a natureza demandaria décadas ou mesmo séculos para dar conta de desintegrá-lo. É preciso achar meios de reduzir, reutilizar, reciclar ou recuperar esses materiais. Para isso, é necessário que haja ações positivas não apenas por parte das indústrias usuárias, mas também por fabricantes de embalagens, atacadistas, varejistas, distribuidores, importadores, recicladores, operadores logísticos, parlamentos, órgãos reguladores e fiscalizadores e, acima de tudo, consumidores.
As estratégias de marketing precisam ser repensadas. Operações locais consorciadas para embalagens retornáveis precisam ser estruturadas. É um desperdício inconcebível somente utilizar-se qualquer embalagem de vidro uma única vez.
Cresce cada dia mais o número de estabelecimentos especializados na venda a granel de produtos. Também se amplia a utilização de embalagens biodegradáveis. A Europa foi mais longe e aprovou o fim do uso do plástico descartável, de uso único. O movimento, porém, ainda é muito tímido por aqui. Em São Paulo, já houve a cobrança por sacolas plásticas em supermercados. É preciso que toda a cadeia logística de distribuição e varejo pense em novos formatos. Oferecer descontos, condições especiais e incentivos também é válido.
Outra opção que muitos brasileiros devem ter na memória são as garrafas de vidro retornáveis (os famigerados “cascos”, transportados em engradados), formato que imperava na venda de refrigerantes e cervejas até os anos 90. Dava muito trabalho para todo mundo, fabricantes, comerciantes e consumidores, mas não se via garrafas PET boiando em rios e mares. Éramos sustentáveis e nem sabíamos disso. Adotava-se um vasilhame padrão, que era reutilizado mais de 20 vezes por diferentes empresas engarrafadoras. Mas um dia, para alegria e facilidade geral, surgiram as inigualáveis garrafas PET descartáveis. O efeito todo mundo conhece.
Muitos filmes antigos mostram a pitoresca cena do entregador deixando garrafas de vidro cheias de leite fresco bem cedo na soleira das portas dos clientes. E levando as vazias. As atualmente dominantes embalagens de leite longa vida são mais fáceis de transportar e muito eficientes para garantir a integridade do produto, porém são complexas e de difícil reciclagem.
Segundo estimativa da própria Coca-Cola, o custo final de uma garrafa retornável é cerca de 30% menor que o custo de uma garrafa PET. A empresa e outras gigantes fabricantes de bebidas e alimentos possuem projetos para ampliar o uso dos retornáveis, mas ainda há muito a ser feito para que esse volte a ser o formato dominante. É preciso que atinja não apenas a indústria de alimentos e bebidas, mas também outros segmentos, como higiene e limpeza, entre outros. E também conceber modelos de negócios que englobem os pequenos fabricantes e atraia o interesse dos varejistas e dos consumidores.
Políticas públicas também poderiam sobretaxar produtos com embalagens de baixa reciclabilidade e conceder benefícios tributários a empresas que utilizem embalagens biodegradáveis ou retornáveis, gerando grande impacto positivo. Da mesma maneira, estimular estabelecimentos comerciais que deem preferência a esses tipos de produtos também se mostra uma boa alternativa. Tudo isso se refletiria em um preço mais atrativo para a venda do produto no varejo e estimularia a os consumidores a adotar as escolhas mais sustentáveis.
Nenhuma dessas alternativas é de fácil implantação. Mas é importante que todos os envolvidos na cadeia de valor, do fabricante ao consumidor, assumam suas responsabilidades para que os resultados sejam alcançados. É preciso articular parcerias entre concorrentes, da indústria e do comércio, e desenvolver ações de conscientização junto ao público consumidor. Os benefícios de uma ação sistêmica e integrada vão muito além da melhora da sustentabilidade ambiental, pois transbordam na criação de novas tecnologias, geração de empregos e renda, com vantagens econômicas para todos.
*Gustavo Fanaya é diretor-executivo do Instituto Paranaense de Reciclagem (InPAR), instituição que tem o propósito de operacionalizar um sistema de logística reversa de embalagens pós-consumo, visando atender a legislação vigente no âmbito estadual e federal.