OPINIÃO: Sinto muito
O texto é de opinião, não precisa concordar com ele, podes também emitir a sua que podemos veicular
Quem ler a notícia não sabe o que sente o jornalista ao traduzir os fatos. Nas mortes do casal, no quartinho, na véspera do réveillon, eu tive náuseas, dor de cabeça, chorei sozinha ruminando a cena do violão sob a mesa, as máscaras, e o perfume. Ela encurralada no canto da cama e o sangue dela manchando as paredes. Talvez seja mais fácil julgar, xingar e criticar o profissional que sai as carreiras em busca da notícia para entregar no celular aos seus leitores cada linha enquanto o condenam sumariamente.
Não muito diferente, quando me dirigi a reta de Subaia/Anchieta onde o acidente ocorreu matando os dois jovens ontem, não fui para lá para culpar ninguém, muito menos provocar a sociedade para emitir sentença e julgamentos sem defesa.
O tempo todo em que estive evitei até mesmo fotografar de perto as vítimas, em respeito às famílias de ambos. As fotos que recebi apaguei todas para que ninguém tivesse acesso, caso pegasse o meu celular. Fiz um storys pedindo as pessoas que parassem de compartilhar as imagens.
É certo que os dois morreram, não há quem possa falar neste momento quem estava certo ou errado. O fato é que dois jovens tiveram suas vidas ceifadas. No momento dos fatos não havia perícia ainda no local e todas as informações repassadas a jornalista era de que um deles estava em alta velocidade.
Sim, o Charles se foi e se errou, agora não é o momento de nenhum julgamento, por mais esfacelada que esteja a família de Gustavo.
O motoboy que fazia a entrega das marmitas, estava parado no meio da pista quando Charles veio e bateu nele? Deu seta para a direita para atravessar e Charles veio e bateu nele? Há quem diga que Charles estava há quase 200k/h e que Gustavo ao se virar para entrar para atravessar a pista, a bolsa com as marmitas se virou e a moto de Charles tocou na bolsa. Isso só a perícia poderá afirmar. A essa jornalista só cabe narrar os fatos.
Esta tragédia que deixam duas mães e dois pais sem os seus filhos deve ser respeitada por todos. Julgamentos não nos cabem.
Ao jornal compete apenas trazer a notícia com depoimentos e imagens. O corpo de Charles foi arremessado para o outro lado da Rodovia. O impacto da colisão derrubou um padrão de energia, a moto e o padrão ficaram sobre o seu corpo. No acostamento ao lado direito da pista ficou a bolsa que estava com as marmitas, o tênis de Gustavo no meio da pista, também do lado direito e a margem do asfalto, bifes, macarrão e arroz…
Quem está certo, e quem está errado? Agora não, agora é abraçar as mães, os pais, os irmãos, os amigos, rezar, orar e refletir: o que é a vida afinal de contas? O que o trânsito permite? Qual a velocidade, como deve estar os veículos, os condutores, as leis, a fiscalização…
A Agência Brasil EBC traz dados que comprovam que a falta de responsabilidade e de atenção no trânsito podem mudar as vidas das pessoas para sempre. Citou o caso do técnico de informática José Barbosa, de 64 anos que foi vítima da imprudência de motoristas duas vezes. Na primeira, em 2014, ele conduzia sua moto e foi fechado por um veículo. A segunda vez em que seu José foi vítima da irresponsabilidade no trânsito doeu bem mais. Em 2018, ele perdeu o filho também em um acidente com motocicleta.
Os números são assustadores, a cada uma hora 20 pessoas dão entrada em hospitais com ferimentos graves. Neste mesmo intervalo de tempo, cinco acidentados morrem em consequência de batidas, fechadas ou capotamentos, de acordo com o Conselho Federal de Medicina.
Mais de 30 mil pessoas perderam suas vidas em 2019 por causa desses episódios, segundo dados do Ministério da Saúde. Desses mortos, a maioria são motociclistas e homens. Em seguida vêm os condutores de automóveis e, por último, os pedestres.
Para cada motociclista que perde a vida no trânsito do Brasil, outros 18 ficam inválidos. Só nos últimos dez anos, mais de 1,6 milhão de pessoas ficaram feridas nas estradas brasileiras. Para tratar tanta gente nesse período, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou quase R$ 3 bilhões.
Eu posso imaginar que a dor da mãe de Charles seja do tamanho da dor da mãe de Gustavo, ambas perderam seus filhos. Eu posso imaginar também que os pais de Charles devem ter dito a ele tantas vezes que ele era o maior bem deles, assim como os pais de Gustavo se orgulhavam do homem que ele se tornou. Tão amado na comunidade.
Entretanto, eu também posso imaginar que os pais de Gustavo e amigos, neste instante de tanta dor devem estar pensando: poxa, se aquela moto tivesse na velocidade permitida, os dois estariam vivos e se recuperariam para alegria das duas famílias.
Eu já dediquei sete anos da minha vida ao jornalismo policial em Cachoeiro e posso provar nas capas de jornais que guardo no meu arquivo, a maioria dos acidentes de trânsito a causa maior é a imprudência. Agora tenho mais 10 anos na estrada da notícia pelas bandas de cá e as cenas são sempre as mesmas: ultrapassagem, álcool e direção, alta velocidade…
Sejamos então mais conscientes, tenhamos menos pressa, respeitemos mais o outro que trafega na via, porque o ir e vir é para todos. Ninguém, mais ninguém merece perder quem ama, ainda mais tão jovem e tão cheios de vida.
Culpar agora, não vai trazer nenhum dos dois de volta. Diga ao seu filhx, seu sobrinhx, seu netx, seu afilhadx, enteadx, marido ou mulher para não sair de moto ou de carro sem habilitação, com a placa levantada escondendo as informações, nem mesmo com alteração na carenagem do veículo. Oriente-os que deve estar de sapatos fechados, ou sandálias que protejam os pés, com capacete adequado, cinto de segurança, documentação em dia, e que respeitem a velocidade permitida, além de prestar mais atenção nas sinalizações. Veja as condições do veículo antes de pegar a estrada. E se resolver beber umazinha, tome as chaves e mande ir a pé! Todos queremos chegar ao destino! Sinto muito pelas mais de 31.307 mil famílias que perderam seus entes queridos em 2019 e, em 2020 em consequência de acidente de trânsito no país, estimativas mostram que o número não foi muito diferente. Que tenhamos consciência para que vidas não se tornem números em estatísticas..