Artigo: Protagonismo Juvenil em tempos de isolamento social no Brasil: algumas possibilidades

Educação à distância. Ensino remoto. Ensino Digital ou Online.  Assim como estes conceitos são confusos, também foi confuso e desafiador o trabalho do professor durante a pandemia de COVID-19, em cenário de isolamento social.

Não cabe aqui debruçar sobre a conceitualização destes termos, mas compreender e analisar como manter o direito e à qualidade da educação na e além da tela do computador. Ainda que diversos documentos oficiais enfatizem a máxima da educação como um direito humano e dever do Estado e da nossa sociedade, como a nossa Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, esse direito tem sido colocado em xeque frente ao novo cenário.

Se por um lado a quarentena trouxe aspectos positivos, já que muitos puderam poupar tempo ao evitar deslocamentos e desfrutar de mais tempo com a família, outros ainda não conseguiram administrar a mudança de rotina e tempo durante a quarentena.

Dentre estes, estão milhares de estudantes das redes públicas e particulares de ensino do Brasil. O não comparecimento ao ambiente escolar tende a levar os estudantes a um processo de desorganização, desinteresse e isolamento pedagógico, haja vista as desigualdades sociais relacionadas ao acesso à tecnologia como recurso educacional.

Diante deste cenário, como, enquanto profissionais de educação, podemos garantir, ou ao menos estimular, o engajamento do aluno nas aulas e em seu aprendizado em um cenário de isolamento? Quais estratégias podemos utilizar para manter o aluno ativo, mesmo atrás da câmera desligada da tela do computador?     

Uma das possíveis chaves que pode nos auxiliar nesse processo é o desenvolvimento do protagonismo juvenil. Mas o que seria isso?

Baseado nas novas resoluções da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação do século XXI deve focar na construção de um ser humano íntegro, cujas áreas de desenvolvimento não estejam restritas a questões acadêmicas. Isto é, passam a fazer parte dos objetivos educacionais competências e habilidades voltadas à saúde mental e emocional, tecnologia e, sobretudo, cidadania.

Desta forma, uma das grandes transformações vigentes no mundo atual do ponto de vista da educação e da cidadania diz respeito ao protagonismo do estudante em seu aprendizado. Esse debate sobre uma educação centrada na aprendizagem e não no ensino em si, já é pautado desde o advento do Construtivismo com Piaget e Vigostsky.

Adiciona-se a isso, agora, a ideia de que não só devemos focar no aprendizado do estudante enquanto indivíduo, mas sobretudo, capacitá-lo para que seja ele próprio o protagonista de seu desenvolvimento educacional e porque não dizer, cidadão. Tal aspecto é contemplado na BNCC como “protagonismo comunitário”, com o objetivo de desenvolver o aluno e incentivá-lo a buscar soluções para questões reais.

Essa discussão faz-se ainda mais necessária ao considerarmos o momento que estamos vivendo. Uma das maneiras de contornarmos essa situação é a elaboração de projetos pedagógicos que os coloquem como sujeitos ativos e que busquem soluções para problemas reais de maneira autônoma, a partir da orientação do professor.

Neste contexto, os alunos podem, por exemplo, realizar projetos voltados a informação comunitária sobre a doença COVID-19, por meio da elaboração de newsletters produzidas por eles próprios e divulgadas entre a comunidade que os circundam, o que os coloca como sujeitos ativos não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também cidadão.

Outra possibilidade está na elaboração de atividades, por parte dos estudantes, que busquem o acolhimento, distração e compartilhamento de ideais e atividades entre os alunos. Em São Paulo, por exemplo, no Colégio Santa Amália Maple Bear, os alunos do Ensino Médio (High School), com orientação da professora Daniela Araújo e Jacira Motta, desenvolveram um Yearbook, um álbum anual com memórias da turma, cujo processo e resultado proporcionou o compartilhamento de boas memórias, experiências e troca de carinho no contexto atual que é, muitas vezes, até solitário.

Do ponto de vista de contemplação de conteúdo, competências e habilidades relacionadas à diversidade étnico-racial do país, os alunos dos 7os, 8os e 9os  anos do CSA, sob minha orientação, criaram a partir de suas próprias pesquisas, um mapa interativo em que é possível identificar espaços no Brasil relacionados à atuação e história negra. Neste projeto, os estudantes tiveram a possibilidade de escolher os espaços/personagens sobre os quais iriam pesquisar e produziram um resultado que pode ser acessado pelo público além dos muros da escola.

Por essa razão, considerar a participação e atentar-se às necessidades dos alunos e suas distintas realidades é fundamental para garantir o aprendizado do estudante, mesmo em tempos de pandemia. Além disso, respeitar o interesse dos aprendizes é fundamental para que percebam e construam a educação a partir de suas experiências identitárias, seja do ponto de vista cultural, seja do ponto de vista social. Afinal, a construção de espaços de escuta e compartilhamento de ideias proporciona a formação de um ambiente mais favorável ao aprendizado.

Práticas que incentivam o protagonismo juvenil escolar não são inéditas do ponto de vista pedagógico, mas em tempos de pandemia tornam-se fundamentais como uma estratégia de exercício democrático, que ao mesmo tempo, garante um aprendizado significativo mesmo em condições contrárias ao bem-estar integral, aproximando-se da efetivação dos direitos humanos com relação à democracia, à cidadania, à vida digna e aprendizagem.

Cabe a todos pensarmos como esses projetos e ideias também podem chegar a diferentes realidades do país.

Ana Fonseca é historiadora e professora de História do Colégio Santa Amália Maple Bear, em São Paulo.

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