As startups e seus famosos ativos intangíveis
por Carmo Barboni Júnior*
Nos últimos anos diversas startups estão sendo criadas com o propósito de resolver problemas com soluções inovadoras, o que tem forte relação com seu conceito. De acordo com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), uma startup é “uma empresa que nasce a partir de um modelo de negócio ágil e enxuto, capaz de gerar valor para seu cliente resolvendo um problema real, do mundo real, oferecendo uma solução escalável para o mercado, e, para isso, usa a tecnologia como ferramenta central”. A mesma associação informa que, atualmente, 40% das startups no Brasil atuam no modelo de negócios voltado para SaaS (Software como Serviço) e aproximadamente 1,5% no modelo de API (Application Programming Interface).
Cada empresa tem sua fase de desenvolvimento e elas vão desde a ideação até a etapa de escala, quando sua solução chega em muitos clientes. Conforme essas empresas evoluem, começam a “olhar para dentro” e avaliar o nível de maturidade de processos e controles, e analisam também se suas demonstrações financeiras refletem de fato a realidade econômica e financeira do negócio.
Um tema bastante comum nessas reflexões é como tratar gastos/investimentos realizados no desenvolvimento de soluções, os chamados ativos intangíveis. De acordo com a regra contábil, o ativo intangível é algo não monetário identificável e sem substância física. Ele pode assumir diversas formas: um novo sistema, nova licença ou propriedade intelectual. Para registrá-lo é necessário avaliar se ele atende à definição de intangível e aos critérios de reconhecimento. O critério de identificação é atingido quando o ativo é separável, ou seja, quando construímos algo que podemos vender, transferir, alugar ou trocar por outro ativo.
A regra contábil define que o ativo intangível deve ser reconhecido pelo custo e, no caso de ativos adquiridos, pode incluir outros gastos associados, como, por exemplo, impostos não recuperáveis e outros custos diretamente atribuíveis à preparação do ativo para sua finalidade. Aqui entra a importância de a empresa ter uma política contábil sobre o tema pois há inúmeros custos envolvidos e, muitas vezes, essa informação fica concentrada na área de pesquisas e desenvolvimento.
Como muitas startups fazem investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a pergunta que surge é: como tratar os gastos com pesquisa e desenvolvimento? A regra contábil diz que gastos com pesquisas devem ser registrados como despesas quando incorridos e isso acontece porque nessa fase a empresa ainda não consegue demonstrar que o ativo intangível vai gerar benefícios econômicos.
Os gastos com desenvolvimento são reconhecidos quando a empresa consegue demonstrar que o projeto possui viabilidade técnica, existe intenção e capacidade de usar o ativo e/ou vender, e a forma como esse ativo vai gerar benefícios econômicos futuros, seja por meio de uso ou venda. Há então finalmente a capacidade de mensurar com confiabilidade gastos atribuíveis ao ativo intangível durante a fase de desenvolvimento.
Na prática, há muita dificuldade das empresas controlarem e acompanharem, do ponto de vista contábil, os projetos de pesquisa e desenvolvimento. Muitas vezes não existem controles adequados sobre gastos com ativos adquiridos, controle sobre as horas dos profissionais alocados e falta de documentação detalhada sobre o projeto. O resultado disso é que a empresa está registrando uma despesa na sua demonstração financeira que muitas vezes poderia ser potencialmente registrada como ativo intangível com vida útil definida. E qual é a vantagem disso? Registrar o ativo como intangível permite a amortização ao longo da sua vida útil, ou seja, demonstrar uma despesa à medida que esse ativo está gerando benefícios econômicos à empresa.
Em um mundo cada vez mais conectado com a busca e o desenvolvimento de soluções para os clientes, esse tema não deveria passar despercebido pelas startups. Uma forma de resolver isso está na contabilidade e nas áreas de negócios atuando no desenvolvimento de uma política contábil e de processos robustos com controles para identificar, mensurar e registrar esses gastos de forma adequada na contabilidade. Enfim, importante que as startups busquem uma solução para um problema real que ela pode estar criando e que certamente poderá gerar muito valor para ela no futuro.
*Carmo Barboni Júnior é sócio-diretor da Prática de Consultoria Contábil da KPMG no Brasil.