OPINIÃO: Razões para não votar em políticos evangélicos
Roney Cozzer, professor, Mestre em Teologia, licenciado em Pedagogia e História, habilitado ao Ensino Religioso e possui formação em Psicanálise.
Se há um assunto que suscita paixões e ódios, este assunto é a política. Ainda me lembro de uma conversa sobre política que tive com um motorista de aplicativo, em seu carro, enquanto ele me conduzia ao meu destino. A conversa começou muito agradável, mas para minha felicidade, a corrida não era longa e logo se encerraria, porque chegaríamos ao meu destino. É que assim que apresentei alguns argumentos bem incisivos, criticando o Governo atual, o motorista logo começou a se alterar e falar bem mais alto do que vinha falando até então… No banco de trás, mantive minha calma e o mesmo tom de voz… E réplicas bem ácidas também a tudo que ele me dizia para legitimar o Governo atual e o período da ditadura no Brasil (1964-1984).
Creio que é em função de episódios assim que as pessoas afirmam que “política, religião e futebol não se discutem”. Como educador e, sobretudo como eleitor que busca ser consciente, me recuso a este senso comum. Conquanto eu não esteja disposto a falar a quem não quer me ouvir, fato é que precisamos, sim, refletir e dialogar sobre a relação – por vezes complexa e até imprópria – entre religião e política. E, sobretudo, buscando elevar a questão acima das nossas preferências partidárias e político-ideológicas.
Pensando assim e realmente acreditando nisto, quero apresentar aqui algumas razões para você não votar em políticos evangélicos. Você haverá de notar que as razões a seguir, conquanto estejam diretamente vinculadas ao próprio ethos evangélico, isto é, ao modo de ser e de viver próprio dos evangélicos (ethos que eu mesmo respiro a vida inteira), estão diretamente atreladas a valores que perpassam esse ethos e tocam, inclusive, a sociedade de modo geral.
A primeira razão que apresento como justificativa para você não votar em um político evangélico é se ele for pastor. Em muitos casos, o pastor é alguém pago por uma comunidade de fé para servir a essa mesma comunidade. E em vários casos, pastores são muito bem pagos, e de modo desproporcional à sua formação teológica ou não teológica.
No caso da Assembleia de Deus – para citar um exemplo – é relativamente comum haver pastores com altos salários, mas que nunca leram um livro na vida e sequer passaram por um site de alguma faculdade. Mesmo assim, recebem quantias vultosas como salário. E vários deles, mesmo assim, decidem buscar eleger-se em algum cargo político, ou, minimamente, se beneficiar desse contexto, por meio de alianças. Registro isso como um observador interno, sou alguém que está dentro e vejo, inclusive, o “assédio” de políticos às convenções assembleianas em período eleitoral e não eleitoral.
É claro que uma denominação como a Assembleia de Deus, gigante como é, não pode ser entendida, avaliada e apreciada por esses casos, mas este é um fato em sua realidade. E acrescento: esse perfil específico de pastores que descrevo aqui também não é representativo da totalidade de pastores assembleianos que, diga-se de passagem, em muitos casos, são voluntários que se doam às suas comunidades de fé.
Seguindo em nossa reflexão, é razoável concluir, portanto, que dividir o tempo que o pastor deveria dedicar ao cuidado com a igreja, a fim de atuar na política é, no mínimo, desrespeitoso quando, em sua maioria, nossas igrejas são constituídas de pessoas que trabalham oito, 10, 12 horas por dia, de modo rígido, em seus empregos. E são essas pessoas que pagam o salário do pastor, para ser pastor, não político.
Outra razão que ofereço a você para não votar em políticos evangélicos é que, quase sempre, eles são irrelevantes quando em um mandato. Gastam tempo e energia discutindo pautas moralistas, que a meu ver nem deveriam tomar o tempo do legislativo, ante uma sociedade que sofre com problemas graves na saúde, educação, segurança pública, infraestrutura urbana, etc.
Vemos políticos evangélicos permanecerem e envelhecerem na política sem terem vocação para ela, sem apresentar projetos realmente relevantes e que impactem a sociedade de modo positivo e, por vezes, atuando sempre em favor do seu segmento, o segmento evangélico. Fecham-se nos interesses dos evangélicos, mesmo que isto os coloque na contramão de interesses maiores e melhores que digam respeito ao conjunto da sociedade.
Sendo assim, uma vez eleito, o político deve atuar em favor da coletividade, do todo social, e não apenas de um grupo social apenas, mesmo que tenha sido esse grupo que o tenha eleito. É possível, com uso da inteligência (o que geralmente não se percebe na maioria dos nossos políticos) equilibrar ou buscar equilibrar os interesses de um segmento social com o todo social.
Apresento ainda outra razão para você não votar em políticos evangélicos: eles são oportunistas. Soube, recentemente, do caso de uma conhecida cantora gospel que decidiu concorrer a um cargo político neste ano. Mas o fato é que ela não se envolve nem com questões sociais e comunitárias da própria comunidade, onde a sua igreja se insere. Não é preciso um inquérito para perceber que o interesse é puramente econômico e que não há qualquer preocupação com as pessoas. Essa gente utiliza-se da coisa pública para benefício próprio e a população que se dane.
Se eu votaria em um político evangélico? Claro que sim! Mas sob a condição de ele não se enquadrar nas razões que explicitei acima. E não preciso nem afirmar que, como cristão evangélico, quero sim ter representantes na política. Mas desejo ter representantes evangélicos que se elevem sobre essas mesquinharias que marcam a relação da igreja evangélica brasileira com a política, infelizmente. Desejo ter representantes evangélicos que demonstrem sua fé de modo concreto, não carregando uma bíblia para cima e para baixo e discursando na câmara como se estivessem pregando e um culto pentecostal. Isso fazemos em nossos espaços de culto.
Enfim, esse pessoal parece não entender que é evitando a corrupção, atuando de modo efetivo, em favor da sociedade, em questões fundamentais que interessam a todos e, procedendo a seus mandatos com transparência é que estarão, de fato, testemunhando muito mais de Cristo na política e perante a sociedade, do que ficar afirmando “Deus acima de todos”, utilizando-se do discurso religioso, mas sem torna-lo coerente com ações. Esse teatro religioso não diz absolutamente nada! E fico feliz, porque este fato, uma grande parcela da população – incluindo-se aí evangélicos – já está cansada de notar.
Fonte: https://diverge.com.br/coluna/educasim
Roney Cozzer/ Professor e conteudista no Ensino Superior e na Educação Básica. Também possui canal no YouTube Repensando meu Cristianismo e de seu Blog Teologia & Vida (www.teologiavida.com). (Foto: Divulgação).
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