Depoimento de Anderson Torres pode complicar Bolsonaro, diz professor
Daury Cesar Fabriz afirma que minuta do decreto de golpe de estado é mal redigida e sem respaldo constitucional.
Caso as investigações e os depoimentos do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), Anderson Torres, comprovem atentado à democracia e golpe de Estado, ficará mais complicado o envolvimento do ex-presidente nas manobras golpistas que resultaram nos atos terroristas do último domingo (8) no Distrito Federal. Ele desembarca preso neste sábado (14) em Brasília vindo dos Estados Unidos.
A opinião é do professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Daury Cesar Fabriz, doutor e mestre em Direito Constitucional, que, respondendo a Século Diário, aponta penas de reclusão de quatro a oito anos, além da correspondente à violência por atentar contra as instituições democráticas ou de quatro a 12 anos correspondentes à tentativa de golpe de Estado.
Nesta sexta-feira (13), a pedido da Procuradoria-Geral da República, foi acatada a inclusão de Jair Bolsonaro nas investigações. Com a decisão cresce a possibilidade de prisão do ex-presidente, que incitou apoiadores ao golpismo e contribuiu para a danificação dos prédios dos três poderes, situação que se agrava com a descoberta do decreto.
O documento encontrado pela Polícia Federal na casa do ex-ministro Anderson Torres estabelece o “Estado de Defesa” e atinge diretamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afetando todo o processo eleitoral, objeto de críticas sem fundamento do ex-presidente e de seus seguidores. O golpe invalidava a “contabilização e apuração dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior” nas eleições que deram a vitória ao presidente Lula.
Para o professor, “o documento apócrifo, encontrado pela polícia, trata-se de um manuscrito muito mal redigido, desprovido de qualquer congruência entre seus termos; sem qualquer respaldo constitucional ou legal. Não cabe nem mesmo ser considerado como literatura do realismo mágico ou surreal. Com todo respeito”.
Sobre quais as punições cabíveis no presente caso e se o ex-presidente pode ser preso, o professor disse a Século Diário: “Aquelas cominadas na Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021 (crimes contra o estado democrático de direito) – dos crimes contra as instituições democráticas, abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.
A investigação é conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no inquérito sobre os atos terroristas ocorridos em Brasília, que ganhou novo rumo depois da descoberta da minuta de um decreto presidencial na casa de Anderson Torres, que seria baixado ainda em 2022, desconsiderando o resultado das eleições e estabelecendo um golpe de Estado no Brasil.
Para o professor o documento não configura, de fato, prova de um golpe de estado projetado pelo ex-presidente, mas “apenas um indício que necessita de outros elementos de materialidade. Caso o Anderson Torres, em seu depoimento venha a corroborar, o documento apócrifo, convalida-se em prova”.
No questionamento sobre os pontos nos quais a Constituição foi ferida, ele comenta: “No artigo primeiro, que estabelece o Estado Democrático de Direito; art 60, parágrafo 4, Inciso II, que estabelece a democracia como cláusula pétrea e o art. 85 que trata dos crimes de responsabilidade, regulamentados pela lei 1079/50. Além da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021 (crimes contra o estado democrático de direito)”.
O professor cita também o Art. 359-L Código Penal, que determina: Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: pena – reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência e a acrescenta as penalidades referentes a golpe de Estado.
A minuta de decreto
Eis a minuta do decreto que estabeleceria um golpe de Estado no Brasil, sob s liderança de Jair Bolsonaro:
Decreta Estado de Defesa, previsto nos arts. 136, 140 e 141 da Constituição Federal, com vistas a restabelecer a ordem e a paz institucional, a ser aplicado no âmbito no Tribunal Superior Eleitoral, para apuração de suspeição, abuso de poder e medidas inconstitucionais e ilegais levadas a efeito pela Presidência e membros do Tribunal, verificados através de fatos ocorridos antes, durante e após o processo eleitoral presidencial de 2022.
O Presidente da República, no uso das suas atribuições que lhe conferem os artigos 84, inciso IX, 136, 140 e 141 da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Fica decretado, com fundamento nos arts. 136, 140, 141 e 84, inciso IX, na Constituição Federal, o Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social.
§1º. Fica estipulado o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento da ordem estabelecida no caput, a partir da data de publicação desse Decreto, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período.
§2º. Entende-se como sede do Tribunal Superior Eleitoral todas as dependências onde houve tramitação de documentos, petições e decisões acerca do processo eleitoral presidencial de 2022, bem como o tratamento de dados telemáticos específicos de registro, contabilização e apuração dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior.
§3º Verificada a existência de indícios materiais que interfiram no objetivo previsto no caput do art. 1º a medida poderá ser estendida às sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais.
Art. 2° Na vigência do Estado de Defesa ficam suspensos os seguintes direitos:
I – sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral, durante o período que compreende o processo eleitoral até a diplomação do presidente e vice-presidente eleitos, ocorrida no dia 12.12.2022.
II – de acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral e demais unidades, em caso de necessidade, conforme previsão contida no §3° do art. 1°,
§1°. Durante o Estado de Defesa, o acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral será regulamentado por ato do Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral, assim como a convocação de servidores públicos e colaboradores que possam contribuir com conhecimento técnico.
Art. 3° Na vigência do Estado de Defesa:
I – Qualquer decisão judicial direcionada a impedir ou retardar os trabalhos da Comissão de Regularidade Eleitoral terá seus efeitos suspensos até a finalização do prazo estipulado no §1°, art. 1°,
II – a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que poderá promover o relaxamento, em caso de comprovada ilegalidade, facultado ao preso o requerimento de exame de corpo de delito à autoridade policial competente;
III – a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação;
IV – a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário;
V – é vedada a incomunicabilidade do preso.
Parágrafo único. O Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral constituir-se-á como executor da medida prevista no inciso l, do §3° do art. 136, da Constituição Federal.
Art. 4° A apuração da conformidade e legalidade do processo eleitoral será conduzida pela Comissão de Regularidade Eleitoral a ser constituída após a publicação deste Decreto, que apresentará relatório final consolidado conclusivo acerca do objetivo previsto no caput do art. 1°.
Art. 5° A Comissão de Regularidade Eleitoral será composta por:
1 – 08 (oito) membros do Ministério da Defesa, incluindo a Presidência;
II – 02 (dois) membros do Ministério Público Federal;
II – 02 (dois) membros da Polícia Federal, ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal;
IV – 01 (um) membro do Senado Federal;
V – 01(um) membro da Câmara dos Deputados;
VI – 01(um) membro do Tribunal de Contas da União;
VII – 01 (um) membro da Advocacia Geral da União; e,
VIII – 01 (um) membro da Controladoria Geral da União.
Parágrafo único. À exceção das autoridades constantes do inciso I, cuja indicação caberá ao Ministro da Defesa, as indicações dos membros dos órgãos e instituições que integrarão a Comissão de Regularidade Eleitoral deverão ser feitas em até 24 (vinte e quatro) horas após a publicação deste Decreto no Diário Oficial da União, devendo as designações serem formalizadas em ato do Presidente da Comissão de Regularidade Eleitoral.
Art. 6°. Serão convidados a participar do processo de análise do objeto deste Decreto, quando da apresentação do relatório final consolidado, as seguintes entidades:
I – 01 (um) integrante da Ordem dos Advogados do Brasil
II – 01 (um) representante da Organização das Nações Unidas no Brasil
III – 01 (um) representante da Organização dos Estados Americanos no Brasil
(Avaliar a pertinência da manutenção deste dispositivo na proposta)
Art. 7°. O relatório consolidado final será apresentado ao Presidente da República e aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e deverá conter, obrigatoriamente:
I – apresentação do objeto em apuração
II – a metodologia utilizada nos trabalhos
III – as contribuições técnicas recebidas
IV – as eventuais manifestações dos membros componentes
V – as medidas aplicadas durante o Estado de Defesa, com as devidas justificativas
VI – o material probatório analisado
VII – a relação nominal de eventuais envolvidos e os desvios de conduta ou atos criminosos verificados, de forma individualizada.
Parágrafo único. A íntegra do relatório final consolidado será publicada no Diário Oficial da União.
Art. 8° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, __ de __________ de 2022.
Fonte: Século Diário – ROBERTO JUNQUILHO