Não destrua nossa história, construa nosso futuro! A praça Thomaz Dutton Jr. é patrimônio histórico piumense
*Cristiano das Neves Bodart, é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Universidade Federal de Alagoas,fundador e ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piúma (IHGP).Autor e organizador de obras sobre a História de Piúma.
A história de um povo é o que permite a existência de solidariedade, reconhecimento mútuo e desejo pelo bem-estar coletivo. Não é necessário ser historiador para amar nossas raízes. Nas conversas do dia a dia, ao observarmos fotografias, documentos, monumentos, contos, lendas, o coração e a memória são agitados, e o amor pela vida vivida é renovado.
Preservar a memória é preservar nossa identidade e raízes. É uma tarefa importante que cabe a cada um de nós. É também responsabilidade dos legisladores garantir sua conservação e do poder Executivo promover sua relembrança. Infelizmente, muitas vezes o nosso patrimônio histórico é ameaçado, seja por ganância, interesses pessoais ou mesmo por ignorância.
Neste texto, gostaria de me dirigir ao ilustre vereador Tobias Scherrer (mas não somente a ele), que tem mostrado interesse em apagar a memória de Thomaz Dutton Junior, um personagem importante de nossa história. Retirar a única homenagem concedida a esse homem é relegá-lo à invisibilidade e apagar uma parte importante de nossa história enquanto piumenses. Não cometamos esse erro!
Nossa história inclui, necessariamente, esse inglês que fez grandes investimentos no desenvolvimento de Piúma. Acreditando que o esforço de retirar o nome da Praça é resultado de ignorância e não de outros interesses, permita-me apresentar uma síntese da importante contribuição deste personagem para a nossa história.
Na primeira metade do século XIX, Piúma era uma pequena vila pertencente a Reribiba (hoje Anchieta). Depois da fundação da Colônia do Rio Novo, em 1855, Piúma se tornou um ponto de desembarque para europeus que se dirigiam à mencionada colônia, desempenhando, assim, um papel importante na história da região como uma parada obrigatória para aqueles que buscavam se estabelecer nas proximidades. A presença de um pequeno porto proporcionou um impulso econômico e atraiu novos habitantes, incluindo ex-escravos. É vinculado a esse porto que iremos, na História, encontrar a figura de Thomaz Dutton Júnior.
Em 1871, o porto existente em Piúma, que era propriedade da empresa Rodocanachi, foi adquirido por Thomaz Dutton Júnior, um empresário inglês que talvez o vereador não conhecia. Graças a aquisição do porto por Dutton Júnior Piúma passou por uma expansão das atividades comerciais na região que viabilizou a vinda de outros ingleses para povoar o município. Inicialmente, o trapiche possuía 20 colonos empregados na extração de madeiras, 5 carpinteiros, 1 ferreiro, 4 maquinistas e 31 escravos. Ali também funcionou uma serraria e um armazém.
Dutton Júnior foi um homem importante que poderia ter escolhido qualquer outro lugar para investir. Em 1872, por exemplo, Dutton Júnior havia recebido do império brasileiro permissão para explorar ferro magnético e outros minerais nas margens do Rio Piúma por dois anos (revogável por mais dois). Dutton Júnior também explorou a madeira e o café produzido na região de Iconha e Rio Novo. Graças a Dutton Júnior, em 1873, Piúma passou a contar com um posto do telégrafo. Thomaz Dutton Jr. era próximo da elite monárquica brasileira e assinou inúmeros contratos com o governo e com barões. Em 1865 sua empresa, “Dutton&Chandler”, foi contratada para construir de uma ponte de ferro sobre o Rio Paraíba do Sul, em Campos de Goytacazes. Ainda nessa cidade, fundou a empresa Campos Gás-Company que prestou, em 1872, o serviço de iluminação a gás. Nesse mesmo período obteve concessão para criar uma estrada de ferro que ligaria Vitória/ES a Natividade/MG. Nota-se a grande influência desse empresário junto ao governo imperial.
Dutton Jr. investiu seus esforços empresariais para criar uma Colônia Inglesa no Brasil, escolhendo para isso Piúma. Adquiriu a fazenda “Monte Belo”, localizada no interior de Piúma (hoje Iconha), onde fixou residência e tentou criar condições para o povoamento, lhe dando o nome de “Manchester”.
Foi graças aos esforços de Thomaz Dutton Jr., que o trapiche de Piúma se tornou, em 1875, um porto de passageiros, tendo fundado a “Indústria e Navegação do Piúma” e atuando como acionista majoritário. Isso teve um impacto positivo sobre as atividades comerciais aqui realizadas. Tal empresa passou a deter o monopólio do escoamento da produção agrícola e de madeiras que descia do interior pelo Rio Piúma. Piúma deixava de ser um povoado para ter importância comercial na região.
Diversas famílias, por incentivo de Thamaz Dutton Jr., se alojaram em Piúma, especialmente inglesas. Dentre elas estão as seguintes: Thompson, Taylor, Wacks, Oenes, Ombre, Pacca, Johnson, Burk. Sem esse personagem de nossa história local essas famílias não teriam vindo para Piúma.
Investindo no povoado de Piúma, construiu uma escola, iluminou, em 1889, as ruas de Piúma com luz a gás acetileno; fato exclusivo nas colônias capixabas. Durante a noite, Piúma brilhava com suas luzes de iluminação a gás, evocando lembranças da cidade londrina na memória dos imigrantes ingleses que chegavam à região. Por isso, Piúma ficou conhecida como “Londres em miniatura”.
Em 1885, o velho Dutton acreditando nos seus planos para Piúma, se naturalizou cidadão brasileiro. Com o fim da monarquia, em 1988, Thomas Dutton Jr. foi à falência, isso por ter perdido as concessões que obteve, contraindo dívidas impagáveis. Suas propriedades, a partir de 1890, foram hipotecadas pelo “Banco Hypothecario do Brazil” e compradas por José Gonçalves Beiriz. Thomas Dutton Jr., já muito pobre, morreu em 04 de dezembro de 1906.
Vereador, não obscureça nossa história! Não exclua nossa herança passada. Apagar nossa memória é dar lugar para outras narrativas e afastar-nos de nossas raízes. Peço com sinceridade que reflita sobre o mal que poderá causar à comunidade de Piúma. Arrisco-me a sugerir que proponha uma lei para declarar a Praça Thomaz Dutton Jr. como patrimônio material e imaterial de Piúma. Aos ilustres cidadãos contemporâneos de Piúma, façamos homenagens colocando seus nomes em novos equipamentos culturais construídos com auxílio de sua iniciativa; como propõe o Instituto Histórico e Geográfico de Piúma (IHGP) em ofício entregue a ser entregue à Câmara de Vereadores.