DESABAFO DE UMA PSEUDO JORNALISTA
Você acredita que existe alguém que bate num idoso porque ele reclama de dor?
Eu não sei, ainda, o que é que, de fato, fez-me jogar no jornalismo. Eu imagino que seja revolta, e foi. O meu primeiro texto foi de uma indignação.
Deve ser algum carma, você sair de casa às 4h00 da manhã para ajudar a encontrar um corpo, num rio, que todos já haviam deixado pra lá… Deve ser missão, cair em cima de um corpo que boiava, há três dias, no rio, para fazer uma foto, depois de escorregar na ribanceira, no meio do mato, nas curvas do Itapemirim.
Será que é o quê, isso? Sentir crise de refluxo por não poder pegar aquele senhor, com tanta dor, se contorcendo e dizendo que apanha quando chora. Eu fico espatifada por dentro quando vejo uma pessoa com limitações físicas, doente, tremendo, com dificuldades de andar, tendo de procurar açúcar para beber um café. É ela uma idosa, com problemas psiquiátricos, quem faz a comida da casa abrigo, administrado pela pastora, que deixou a bíblia no rack da sala com os óculos em cima.
Deus, Senhor, meu Pai! Que mulher é esta? Se apropria dos cartões e promove churrasco a amigos e nega um ovo frito a quem nem sabe o porquê os filhos o jogaram lá.
Meu Deus, na outra casa abrigo, o tal cuidador estuprava, batia e tinha sexo anal com uma senhora doente.
Quando tinham fome, ficavam no portão pedindo a quem passasse na rua.
Sinto uma dor tão grande no peito que não sei se aguento mais, e quero dividir com vocês, um pouco deste sentimento que me corrói por dentro.
Eu sou jornalista por alguma razão, que para mim, é missão! Uma pessoa deixar de pagar as contas, de fazer novos projetos, dar andamento ao que vai trazer retorno financeiro mais imediato, esquecer de tirar notas fiscais, deixar de receber anúncios, com boletos vencidos e, parar tudo para ouvir uma pessoa em prantos, ainda que em mensagens de texto, pedindo ajuda, desesperada, falando que só pensa em tirar a própria vida, que seus pais não entendem a sua angustia. E eu clamo a Deus uma palavra que eu possa levar um pouco de alento. Eu oro e choro, a palavra vem, na mesma hora.
É a hora do almoço, a comida está no prato e do outro lado, um grito desesperado. A jovem está passando mal para ter o bebê e o hospital manda pra casa.
Deixar tudo, a família, o piquenique, o churrasco com amigos, a diversão, o almoço de natal para ir atrás de uma notícia sem cobrar um tostão, deve ser sim, alguma missão. E eu posso dizer, com certeza, que eu sou professora, formada em Letras, mas deixei a sala de aula para abrir o jornal e me dedicar, exclusivamente, à buscar soluções, a ouvir as queixas.
Agora estou matriculada no curso de jornalismo para buscar mais saber e, quem sabe, ganhar dinheiro, já que vou me tornar jornalista de verdade, com diploma. Tudo que eu tenho é vocação, dom e o conhecimento adquirido na trincheira, no dia adia, na rua, no gueto, no beco. E com o aval do STF, cuja Delegacia do trabalho carimbou a minha carteira.
E esse amor incondicional à profissão que me mantém distante de casa, e me faz sair às 2h00 da madrugada para registrar um fato. Ou às 22h00 para fechar o trânsito e proteger um corpo de um jovem morto no asfalto, num domingo que todos passam em volta e não param, não se mexem.
Deve ser amor que me faz brigar por quem eu não conheço, me faz indignar com uma causa que não é minha, deve ser alguma missão espiritual que me faz passar mal depois de ouvir o lamento de um idoso doente, se contorcendo de dor numa cama, e ainda apanha.
E eu preciso lembrar que aqueles idosos têm famílias, omissas que deveriam ser denunciadas pelo Ministério Público e serem punidas. Eu nãos sei como vou dormir hoje, eu acho que está na hora de parar com o jornalismo. E se Deus me permitir, cumprir esta missão na literatura. Vou escrever sobre os casos que redigi e fechar com uma conclusão, o ser humano não tem limites e eu não quero mais viver perto desta gente, que é capaz de ler a bíblia e bater de chinelos num senhor doente, que se contorce numa cama, sozinho, à espera da morte. Enquanto isso, o dinheiro dele e dos outros servem os caprichos da irmã que a sociedade acreditou no dia 19 de janeiro, que era uma senhora coitada que fazia o bem. Eu vi o cinismo na cara dela, porque estou enojada deste tipo de gente que se diz crente!