Antonio Cicero, ícone da literatura e da música brasileira, morre aos 79 anos na Suíça em procedimento de morte assistida

O Brasil perdeu um de seus grandes intelectuais na manhã desta quarta-feira (23). O escritor, poeta e compositor Antonio Cicero, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), faleceu aos 79 anos em Zurique, na Suíça, após optar por um procedimento de morte assistida. Sofrendo de Alzheimer, o filósofo deixou uma carta emocionada explicando a decisão de encerrar sua vida em meio à perda gradual de suas capacidades intelectuais.

Antonio Cicero, nascido no Rio de Janeiro, ocupava a cadeira 27 da ABL desde 2017 e era conhecido não apenas por sua contribuição à literatura, mas também por sua profunda influência na música brasileira. Ele compôs sucessos eternizados na voz de sua irmã, Marina Lima, como “Fullgás” e “À Francesa”, além de parcerias com outros grandes nomes da música nacional, como Lulu Santos e Adriana Calcanhotto.

Na última semana, Cicero viajou para Paris acompanhado de seu companheiro, Marcelo Pies, antes de seguir para a Suíça, onde se submeteu ao procedimento de eutanásia. Segundo Pies, Cicero vinha preparando a viagem discretamente, sem querer que muitos soubessem de seus planos. A escolha de Paris como primeira parada foi um desejo do poeta de se despedir da cidade que tanto amava.

Em sua carta de despedida, enviada por Marcelo aos amigos mais próximos, Cicero expressa a profunda tristeza com a progressão da doença. Ele relata que a perda de sua capacidade de escrever e de se concentrar para ler, algo que sempre foi uma paixão, o levou a tomar essa decisão. “Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”, escreveu o poeta.

Sua obra musical também é um grande legado. Com mais de 130 composições e 40 gravações cadastradas no banco de dados do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), Antonio Cicero será lembrado pelas canções que marcaram gerações. Entre as músicas de maior sucesso nos últimos anos, destacam-se “À Francesa”, “O Último Romântico” e “Fullgás”. Marina Lima foi sua maior intérprete, seguida por artistas como João Bosco e Adriana Calcanhotto.

A Academia Brasileira de Letras e o Ecad emitiram notas de pesar, destacando o imenso legado deixado por Cicero, tanto no campo literário quanto musical. Seu falecimento marca o fim de uma trajetória brilhante, onde filosofia, poesia e música se entrelaçaram, enriquecendo a cultura brasileira. Os direitos autorais de suas obras continuarão a gerar rendimentos para seus herdeiros por 70 anos, conforme estabelece a Lei dos Direitos Autorais.

Antonio Cicero, ateu convicto e defensor da autonomia sobre a própria vida, deixa uma lição de coragem e reflexão ao abordar de maneira tão aberta sua escolha final.

Carta de Antonio Cicero:

“Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”

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