Artigo: Decifrando a desigualdade digital no Brasil
* por Marcos Ferrari
O Brasil é o país das desigualdades e isso não é exatamente uma novidade. Apesar da melhora percebida nos últimos anos, a concentração de renda ainda permanece em patamares muito elevados. A dificuldade para que haja maior equidade na distribuição de recursos ganha de forma acelerada a companhia cada vez mais influente de outro elemento capaz de gerar desequilíbrio na balança social. Trata-se da desigualdade digital.
Segundo a TIC Domicílios realizada em 2022, mais de 28 milhões de pessoas nunca acessaram a internet no país, o que equivale a 15% da população. Os motivos são diversos: 29% afirmam que não possuem poder aquisitivo para contratar o serviço.
Outro número que chama atenção são os mais de 75% que não possuem internet devido à falta de interesse, habilidade ou necessidade. Nota-se aqui mais uma faceta perversa do analfabetismo e da falta de acesso à educação, barreiras ao mesmo tempo históricas e contemporâneas para o desenvolvimento humano e da economia.
Ao avaliar os dados, fica claro que a maior razão para a desconexão está no lado da demanda – com a baixa escolaridade e capacidade financeira – e não da oferta, ligada à falta de infraestrutura ou serviço, que chega hoje a mais de 90% dos domicílios do país.
O mercado de telecom brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. O crescimento do mercado e a grande concorrência fazem com que as empresas sem empenhem ao máximo para ofertar os melhores preços para seus consumidores. O IPCA geral acumulado dos últimos 12 meses ficou em 6,47%, segundo o IBGE.
Dados da União Internacional das Telecomunicações (UIT) demonstram uma efetiva queda no custo dos serviços do setor no Brasil. A cesta de serviços de telefonia móvel custava próximo de US$ 70 em 2008 e observou uma queda gradativa para atingir quase US$ 22 em 2018. A banda larga fixa caiu de pouco mais de US$ 53 para menos de US$ 18. Considerando os 15 países que mais acessam banda larga no mundo, o preço praticado por aqui é 55% menor do que a média.
Um dos principais fatores limitantes do acesso à conectividade é a elevadíssima carga tributária, representando mais de 40% do que é pago pelo consumidor final. Fica em segundo lugar em todo o mundo, a frente apenas da Jordânia, conforme dados do Banco Mundial. A taxa dos países líderes em conectividade é em torno de 10%.
Além disso, o Brasil possui população com renda per capta muito baixa e é preciso haver políticas públicas que favoreçam a inclusão digital. O uso adequado dos fundos setoriais pode ajudar na tarefa da universalização da conectividade. Os Estados Unidos, por exemplo, foram além. Criaram o Lifeline, programa do governo para permitir o acesso aos serviços de comunicação para consumidores com poucos recursos. Subsidiam descontos mensais de US$ 9,25 para a faixa menos abastada, equivalendo a 25% do ticket médio do cidadão americano.
Outro grande entrave para a expansão da digitalização se refere à dificuldade de instalação de antenas. Leis municipais defasadas, em alguns casos até 30 anos, atrasam a implantação da infraestrutura e impedem a cobertura para milhões de brasileiros. A recém-chegada do 5G torna essa questão ainda mais sensível, pois a nova tecnologia demanda uma quantidade de antenas até dez vezes maior que a geração anterior.
Para diminuir a desigualdade digital, é preciso, portanto, que o país se emprenhe em realizar importantes mudanças estruturais. Caso contrário, as maiores prejudicadas continuarão sendo as pessoas menos favorecidas e as empresas brasileiras, que perdem competitividade em um mercado cada vez mais disputado.
*Marcos Ferrari é presidente executivo da Conexis Brasil Digital