Artigo: Vai ter literatura de mulher, sim!

*por Juliana Valentim

Dia desses, participando de um evento literário, alguém perguntou por que nós, escritoras, fazemos sempre questão de classificar nosso trabalho como literatura feita por mulheres. Por que não dizemos apenas que fazemos literatura? De onde vem essa necessidade de reforçar sempre que aquela obra, ensaio, texto, poema, foi escrito por uma mulher? Afinal de contas, homens não precisam dizer o tempo todo que seus escritos foram feitos por homens. Raramente vemos um escritor bater no peito para dizer que faz literatura masculina.

Ora, é só voltar um pouco na história (e nem precisa voltar tanto assim) para entender a razão que nos faz gritar a plenos pulmões que somos mulheres escritoras. Até bem pouco tempo, apenas homens publicavam livros. As mulheres que ousavam fazê-lo, muitas vezes, precisavam se esconder por trás de pseudônimos para conseguir chegar ao sucesso. Algumas tinham, inclusive, suas obras roubadas e apropriadas por outros, que colhiam os louros.
Aí veio Maria Firmina, considerada a primeira mulher brasileira a publicar um romance, em 1859. Ainda usando um pseudônimo, “uma maranhense”. Ela abriu caminho para que todas nós pudéssemos chegar. E nós chegamos, viemos de longe, viemos aos montes. Chegamos com a voz de Maria Carolina de Jesus e tantas outras.

Então, respondendo à pergunta que abre este artigo, fazemos questão de reforçar a escrita feminina por algumas razões principais. A primeira delas é para honrar todas essas mulheres que vieram antes de nós. Se hoje podemos escrever um livro e assinar com nosso próprio nome, devemos a elas, que não se calaram, não se rebaixaram, não sufocaram as palavras que insistiam em sair.

Além disso, temos um orgulho danado de sermos mulheres escritoras. Está aí um rótulo que não temos vergonha de usar. Foi-se o tempo em que a literatura feminina morava apenas nas receitas de bolo. Há muita mulher escrevendo coisas incríveis por aí. E ganhando dinheiro. Segura essa: a escritora mais rica do mundo é uma mulher, JK Rowling, dona de Harry Potter. E mais essa: o primeiro ser humano a assinar um texto na história conhecida do mundo foi uma mulher, Enheduanna, que viveu em meados do século 23 a.C na Mesopotâmia. 

E eu não poderia deixar de dizer que quando entramos na “caixinha” da escrita feminina, fazemos também para nos proteger, para fortalecer o coletivo, para nos divulgar. Cada vez que uma mulher escritora conquista o sucesso, carrega todas nós. E cada vez que uma mulher escritora sofre violência ou retaliação, mexe com todas nós. 

É bem verdade que estamos na era da liberdade, de sair das caixas que nos oprimem. Mas, em alguns momentos, elas ainda são importantes. Talvez, um dia, a gente não precise mais reforçar coisa alguma. Talvez, um dia, a gente possa dizer apenas que faz literatura. Simples e natural assim. Talvez, um dia… Mas hoje, e enquanto o coração gritar, vai ter literatura de mulher, SIM!

*Juliana Valentimé jornalista, cronista, poeta e romancista, professora de poesia contemporânea e especialista em comunicação criativa. Gerencia o perfil literário no Instagram @palavrasquedancam. Seu último lançamento é a coletânea Palavras que Dançam ao Redor do Sol

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