Câmara dos Deputados debate projeto de lei que equipara aborto a homicídio e aumenta penas
Nesta quarta-feira (5), a Câmara dos Deputados discute em plenário o pedido de urgência para o Projeto de Lei nº 1.904/2024. De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) e contando com a assinatura de 32 parlamentares, o projeto busca equiparar o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, elevando a pena máxima para quem realiza o procedimento de dez para 20 anos de reclusão. Além disso, a proposta fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais, em contraste com a legislação atual que não estabelece um prazo específico, mas permite a prática em casos de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal.
O Contexto Político e Social
A urgência na tramitação do projeto, caso aprovada, permitirá que o texto seja votado diretamente em plenário, sem a necessidade de passar pelas comissões, agilizando significativamente o processo legislativo. A iniciativa dividiu opiniões entre os deputados, especialmente nas alas evangélica e católica, que anteriormente tentavam promover o Estatuto do Nascituro, em tramitação há mais de 15 anos. Acredita-se que a proposta de Cavalcante tem maiores chances de aprovação ainda este ano, considerando a recente tendência do Congresso em pautar questões ideológicas, conhecidas como “pautas de costume”.
Nas votações recentes, o governo tem enfrentado derrotas significativas em temas polêmicos como este. Nos bastidores, até mesmo deputados do PT demonstraram desconforto em abordar o assunto em plenário, solicitando que a votação ocorra de forma simbólica, sem a exposição dos nomes dos parlamentares no painel de votações, para minimizar o desgaste político.
A Polêmica do Projeto de Lei
A proposta de Cavalcante não apenas altera o prazo máximo para a realização de abortos legais, mas também endurece as penalidades, equiparando o ato a homicídio simples. O projeto representa um movimento estratégico da oposição para manter o protagonismo em pautas conservadoras, além de enviar um recado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proibia a prática da assistolia fetal para interrupção de gestações após a 22ª semana, procedimento permitido em casos de estupro.
Opinião: Tentativa Absurda e Desumana
É profundamente absurdo e desumano equiparar o aborto ao crime de homicídio. Essa proposta ignora completamente os direitos reprodutivos e a autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos. O direito ao aborto deve ser uma escolha pessoal e familiar, especialmente em casos de estupro, risco de vida ou anencefalia fetal. Forçar uma mulher a continuar uma gravidez resultante de violência sexual, por exemplo, é uma violência adicional e cruel.
A imposição de uma pena de até 20 anos para o aborto é desproporcional e injusta. Em muitos casos, essa legislação faria com que o estuprador pudesse cumprir uma pena menor que a da mulher que, ao optar pelo aborto, busca aliviar seu trauma e sofrimento. Isso inverte os papéis de vítima e agressor, punindo severamente quem já passou por uma situação extremamente traumática.
Além disso, a criminalização rígida do aborto não reduz a incidência do procedimento, mas sim aumenta os riscos para as mulheres que buscam abortos inseguros e clandestinos. Países com políticas mais liberais em relação ao aborto, como o Uruguai e o Canadá, apresentam índices menores de complicações e mortes maternas, mostrando que a descriminalização é uma questão de saúde pública.
Em suma, o PL 1.904/2024 representa um retrocesso significativo nos direitos das mulheres no Brasil. O aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública e direitos humanos, não como um crime equiparável ao homicídio. As decisões sobre o corpo e a saúde de uma mulher devem ser feitas por ela mesma, em conjunto com seus familiares e médicos, e não impostas por leis punitivas e desproporcionais.