Confinamento rígido: a escolha da Nova Zelândia que o Brasil não seguiu

*Isa Colli, jornalista e escritora – e-mail [email protected]  www.isacolli.com

A partir desta segunda-feira (8/6), a Nova Zelândia vive uma nova fase. Todas as medidas sociais e econômicas de isolamento tomadas para evitar a propagação da Covid-19 foram suspensas e restam apenas as restrições nas fronteiras. O motivo para a decisão é que o país conseguiu erradicar a doença.

A primeira-ministra Jacinda Ardern disse que chegou “dançar” de alegria quando recebeu a notícia de que o último cidadão da Nova Zelândia com coronavírus havia se recuperado.

Os resultados, no entanto, são decorrentes de algumas escolhas. Os 75 dias de restrições na Nova Zelândia incluíram cerca de sete semanas de uma quarentena rígida, na qual a maioria das empresas foi fechada e todos, exceto trabalhadores essenciais, tiveram que ficar em casa. Além disso, o país ordenou o fechamento de fronteiras já em março e a testagem em massa, que resultaram na mais modesta lista de casos confirmados e mortes entre as economias desenvolvidas.

De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, a nação registrou 1.504 casos de Covid-19 e apenas 22 mortes.

O fato de a Nova Zelândia ser formada por duas ilhas principais, relativamente isoladas, pode ter ajudado na resposta. Mas em uma comparação com a Irlanda, outra nação insular com população semelhante (5 milhões de habitantes), os números são bem mais altos. Foram registrados mais de 25.000 casos e 1.679 mortes entre os irlandeses.

A verdade é que a população da Nova Zelândia está emergindo da pandemia, enquanto países como Brasil, Reino Unido, Índia e Estados Unidos continuam a lidar com a disseminação do vírus.

No mundo, o número de mortos por coronavírus passou de 400 mil. São quase 7 milhões de infectados em 188 países e territórios. O número de mortos nos Estados Unidos, país mais afetado pela doença, se aproxima de 110 mil. O Brasil é o terceiro no planeta com mais óbitos: já são mais de 37 mil.

E nesse momento em que as taxas de contaminação e mortes continuam em crescimento vertiginoso, alguns estados começam a flexibilizar o isolamento, que não chegou a ser rígido como na Nova Zelândia em nenhum momento.

É estranho que, de uma hora para outra, alguns estados brasileiros tenham afrouxado o distanciamento social, ignorando os dados estatísticos, as recomendações das autoridades sanitárias e sem indicar em que se baseiam para promover a flexibilização. É consenso entre especialistas das áreas sanitária e da saúde que a liberação do confinamento só deve acontecer, e mesmo assim gradualmente, quando a curva epidemiológica apresenta 14 dias seguidos de declínio (de novos casos e de óbitos).

Especialistas têm se manifestado contra a flexibilização do isolamento social nos estados onde a situação continua crítica. Domingos Alves, integrante do Portal Covid-19 Brasil, que reúne cientistas e estudantes de várias universidades brasileiras, foi taxativo: “O relaxamento social só tem motivação política. Não existe ciência nisso. Os estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e Amazonas terão um massacre. A população foi liberada para ir ao abatedouro”.

Um grupo de cientistas de universidades de São Paulo projetou, na semana passada, que o número de casos e mortes pode aumentar 150% nas cidades que promoverem o relaxamento de medidas contra a pandemia.

Para Fiocruz, renunciar ao isolamento pode gerar óbitos que seriam evitáveis. É importante ressaltar, ainda, que a taxa de ocupação de leitos, um dos critérios usados para monitorar a necessidade de confinamento, chegou a níveis preocupantes em vários municípios. Natal e Mossoró, as duas maiores cidades do Rio Grande do Norte, atingiram a capacidade máxima de ocupação nas UTIs. Estados como Ceará e Amazonas também enfrentaram colapso no sistema de saúde, com falta de leitos de UTI e equipamentos, entre eles, respiradores.

Em meio a uma guerra política, com a Pasta da Saúde comandada por ministro interino; mudanças questionáveis nos critérios divulgação dos boletins com o número de mortes pelo coronavírus e relaxamento precoce do isolamento social, o Brasil parece caminhar na contramão da estrada. Mesmo morando na Bélgica, como brasileira, torço para que o poder público aja com responsabilidade e respeito aos cidadãos.

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