Coragem Institucional: mulheres e os abusos cotidianos
Está mais do que na hora da violência sexual contra a mulher parar! Porém, apesar deste ser o desejo de muitas pessoas na sociedade, a solução não é simples. Apesar de sermos expostos a novos casos todos os dias, os velhos problemas continuam: muitas mulheres não têm coragem de reportar os abusos, aquelas que reportam demoram muito tempo para se manifestar, os acusados sempre dizem ser inocentes e as instituições onde estes abusos acontecem, por mais absurdo que pareça, acabam desestimulando as mulheres a denunciarem ou irem em frente com suas queixas. Tudo isto, pode acabar em casos como o da ativista Sabrina Bittencourt, que se suicidou no início de fevereiro.
Como um profissional que busca na ciência as soluções para os mais diversos casos do cotidiano, decidi me debruçar em alguns artigos científicos para descobrir os motivos pelos quais existem padrões de comportamento das vítimas e dos abusadores nestes casos, bem como, o que pode ser feito para evitar novos casos. Durante a minha busca por estas soluções, conheci o trabalho da cientista Jennifer Freyd da University of Oregon, que há mais de duas décadas estuda o assunto e, hoje, é uma das maiores autoridades mundiais no estudo do abuso contra mulheres. Depois de ler seus artigos, resolvi entrar em contato com a Prof. Freyd, que me atendeu com muita gentileza.
De acordo com os estudos de Freyd, a maioria das mulheres não reporta abusos por causa do medo de que sua vida irá piorar depois da acusação. E, segundo os dados das pesquisas do professor, a vida destas mulheres realmente piora depois da queixa – seus amigos se afastam delas, muitas vítimas são culpadas pelos outros por terem “provocado” a situação, elas são demitidas de seus trabalhos e têm suas carreiras arruinadas. Porém, o principal fator que desencoraja as mulheres a prestarem queixas é o que Freyd nomeia como Traição Institucional: quando uma instituição (país, empresa, universidade, igreja, partido político) trai as pessoas que são dependentes dela, falhando ao apoiar adequadamente os indivíduos que foram vítimas de outros membros da instituição e não age para prevenir novos casos. Ao falhar com seus membros, muitos deles perdem a sua fé na instituição e acreditam que as coisas nunca irão mudar, o que consequentemente, faz com que mais e mais vítimas mantenham-se silenciosas quando abusadas. Obviamente, a Traição Institucional também acontece pela falta de disposição das instituições em divulgar seus casos de abuso sexual, por razão do medo de que tal ação acabe com a reputação da instituição. Assim, muitas instituições continuam escondendo os seus casos, o que piora exponencialmente a situação.
No caso do Brasil, a Traição Institucional torna-se mais grave quando uma parte ainda mais importante falha: a nossa justiça. Não são raros os casos onde as mulheres que denunciam seus abusadores são julgadas como mentirosas ou aproveitadoras, o que acarreta com que muitos abusadores continuem circulando livremente. Em algumas oportunidades, os criminosos até passam um tempo presos, porém, logo são soltos por “falta de provas”, obviamente causada pela “falta de fé na instituição” das demais vítimas que nunca reportarão os abusos sofridos, já que estas presenciaram outros casos de agressores que não resultaram em prisões ou em mudanças nas leis.
Assim como as vítimas, os abusadores também apresentam um comportamento comum quando acusados. Freyd nomeia este comportamento como DARVO, siga em inglês para Negar, Atacar e Reverter a Ordem da Vítima. Não apenas em casos de abusos sexuais, mas em vários escândalos que vemos em nosso país, o comportamento dos criminosos é sempre o mesmo: eles negam as acusações, atacam verbalmente os acusadores e, por fim, dizem que são eles as vítimas de algum tipo de “golpe”. Por mais comum que este “golpe” seja, a justiça continua falhando em acatá-lo frequentemente, aumentando cada vez mais a desconfiança das pessoas na instituição Brasil e agravando a situação dos abusos sexuais e demais problemas que enfrentamos.
Jennifer Freyd mostra que a Coragem Institucional é o antídoto para a Traição Institucional. Ela acontece quando as instituições passam a assumir suas responsabilidades e agir com transparência, quando admitem seus erros, desligam e denunciam seus membros envolvidos em abusos sexuais, tratam as vítimas com respeito, divulgam sem medo os dados sobre o assunto e criam mecanismos para evitar novos casos. Assim, estas instituições passam a ganhar a confiança das pessoas novamente e a prover a coragem que as pessoas tanto precisam para ir em frente com suas denúncias. Apesar de válido, o trabalho de iniciativas como a Coame, a qual Sabrina Bittencourt liderava, nunca terão um alcance maior sem o apoio de instituições maiores, como o governo federal. Seria de grande orgulho para todos nós, se a primeira dama Michelle Bolsonaro assumisse esta luta.
É o momento das nossas universidades, empresas, igrejas, partidos políticos e governos assumirem suas responsabilidades para diminuir bruscamente os abusos sexuais em nosso país. Não são as mulheres que não tem coragem, mas sim, as instituições!
*Luiz Gaziri fez a escolha feliz de deixar a sua carreira de quinze anos como executivo para ensinar pessoas e empresas a aplicarem comprovações científicas nas mais variadas situações do seu dia a dia. Gaziri possui formações acadêmicas nos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, é professor de pós-graduação na PUC-PR, FAE Business School e ISAE/FGV. Também atua com consultorias, treinamentos e palestras corporativas, atendendo clientes como Armani Casa, Cyrela, Unimed, Arauco, SBT, Sicredi, Consórcio Iveco, entre outros dos mais variados portes e segmentos.