Crônica – Nem sempre pau que dá em Chico, dá em Francisco
Começo esse deslavado texto relembrando o início do jornalismo em 1999, lá na Folha do Espírito, Cachoeiro de Itapemirim.
Algumas coisas não posso esquecer dessa trajetória, uma delas, o uniforme ridículo que meu diretor achava lindo, um conjuntinho de calça social em tecido tipo Oxford, com blusa azul meio cinzento combinado e gravatinha no pescoço, acompanhado de um sapatinho social preto. Luciá Sampaio achava lindo e até me elogiava quando me via naquele uniforme horrível.
A segunda coisa que não me esqueço era a máquina fotográfica, ainda era a que revelava o filme. Era preciso fazer muitas fotos e apostar em uma que desse certo. Eu era repórter policial. Fazia rondas na cidade, do Batalhão da PM, no Instituto Médico Legal – IML, na Delegacia de Crimes Contra a Vida, na Delegacia da Mulher, em todas, até no Conselho Tutelar…
O que via todos era uma selvageria desmedida, de pobres e pretos, sendo presos e humilhados todos os dias. Mulheres apanhando dos maridos, mortas, por ciúmes, descontrole. Crianças sem seus direitos respeitados, pais omissos, acidentes um atrás do outro na maioria por imprudência. Via de tudo no cenário.
Soube de coisas inacreditáveis. Um delegado urinar em uma garrafa e fazer uma presa beber. Ouvi relatos de detenta ser obrigada a fazer sexo com o plantão caso contrário teria um rato que estava preso em uma garrafa pet solto em sua vagina. Ouvi relatos e jamais expus em matérias jornalísticas, eu sabia que com arma na mão e o poder da farda eu podia ser mais uma na vala desconhecida ou atirada na Lagoa Rodrigo de Freitas, como muito bem descreveu Manoel Bandeira, no Poema tirado de uma notícia de jornal.
Da época me lembro de muitas coisas, lembro de um terço para proteção que ganhara de uma autoridade policial, que espancava grávida presa com a cabeça entre as grades de uma cela fria. Muita coisa acabou virando foi poesia.
Contudo, nesta semana um episódio no universo policial me chamou atenção, entre as fotos do detido, ele era educadamente conduzido ao seu carrão para acompanhar os policiais à delegacia. Ele estava sendo detido por ameaçar a filha de morte. Dizem na cidade que é um xerife. Na casa dele, a mansão, muitas armas foram apreendidas, mas esse moço, tem idade e não pode ir no camburão. É, ele não pode ter a face registrada em fotografia, é da alta sociedade e claro, jamais ficará numa cela fria. Empresário de nome na cidade jamais seria algemado.
No dia-a-dia, a PM enxuga gelo, prende a justiça solta. Por qualquer pouca quantidade de pedra, cujos famigerados viciados põem-se a vender para fumar um cachimbo, são humilhados, levados no cofre do camburão. Xilindró, cadeia, prisão, todos são jogados lá, sem qualquer projeto de fato de ressocialização. Mas, o empresário, rico, que manda na cidade, ameaça a filha, vai preso com mandado e sai escoltado em seu carro até a delegacia, vai ficar preso, por quê, é idoso, e não causa medo, só tem um arsenal de armas e muita munição, coitado do moço, seu delegado relaxa a prisão! Afinal de contas, nem sempre pau que dá em Chico dá em Francisco?