Do nada para lugar nenhum

“…Pior que o ócio do corpo é o ócio da alma,

vagar perambulando noites e noites buscando nada, ou supostas ilusões.

Na verdade, ao final, você se encontra indo do nada pra lugar nenhum

E o ócio da alma está lá,

Instalado, com morada cativa aprisionando você

Buscas insanas

abstratas,

vazias

ocas

inexpressivas

sem sabor e inodoras

não há viagem concreta como se pisasse solo seguro

sinto-me livre parafrasear Augusto Cury…” (do livro Rabo de Olho”

É, o copo vazio de Guaravita no canto da rua,

a embalagem de isopor suja,

e jogada à beira do meio fio, a de chips,

as centenas de pontas queimadas de cigarros baratos, os rastros da madrugada deixados nas pegadas invisíveis.  

Todo dia a mesma rotina.

Todo dia a mesma cena.

Todo dia, todo dia.

Uma correria só, discussões, brigas, disputa, cochichos, barulho de viaturas.

A Mathilde Rohr Pedroza parece ter virado destino de tantas pessoas perdidas que vagam em busca de nada e vão para lugar nenhum,

Todo dia, toda noite, toda madrugada.

Triste demais, todo dia se deparar com tanta gente desconhecida, tanta gente estranha, nossas crianças não podem nem sonhar brincar de pique esconde na rua, andar de bicicleta ou bater uma peladinha.

Não. Ficam trancafiadas, andando de patins na varanda, Overboard dentro de casa, de vez em quando uma partida de Uno, ou casinha na sala. TV e no celular com a febre das dancinhas.

E na rua, na nossa Mathilde, eles brotam de tudo que é canto. Jovens, adultos, idosos, carros o tempo todo, o movimento não para.

Já na esquina da rua, impreterivelmente, cotidianamente, um grupo de homens de mais idade, às vezes, uma mulher ou outra, sentada, sempre bebendo cachaça, bebendo, bebendo.

O dia passa, a semana toda, e eles ali e acolá, pra lá e pra cá. Moças bonitas, rapazes, uns raquíticos, franzinos. Em busca de nada, nada, nada.

Tanta ilusão, tanto vazio, tanta dor que, talvez, não haja mais sonho, expectativas, esperança. É matar o desejo naquele instante, atravessar uma porcaria para ter um mísero trocado que dê para mais uma pedra, uma bucha…

Despedaça meu coração assistir todo dia o mesmo enredo de um filme que não terá um final feliz. É, eu não queria nenhuma viatura na minha porta, nem ver nenhum destes meninos sendo enquadrados com a mão na cabeça encostados na parede. Nem queria saber que meninas tão lindas se prostituem para satisfazer a vontade de tragar um prazer que não há.

Ah, como entristece minha a’lma saber que a plenitude da vida nos custa tão pouco e que prazer maior não há que dormir numa cama quente, com um edredom cheiroso, e ao mesmo tempo saber que tantos não tem uma coberta, nem a cama quente, nem um café, numa mesa forrada com uma toalha, onde há queijo, presunto, leite, geleia, manteiga, requeijão, tudo de bão, broa de fubá, banana e batata cozida.

Não, a rua está suja, pontas de cigarro e lixo espalhado, a noite acabou, e o dia passa sem que o crepúsculo do sol seja contemplado.

Eu queria contar outras histórias, mas as manchetes são quase sempre as mesmas todo dia, um corpo sem vida na periferia, o camburão que passa e leva uma leva pra delegacia.

E às vezes a família chorando ao lado de um caixão. Meninos e meninas, eu lhes garanto, a vida vale muito mais a pena sem porcaria.

Texto e foto: Luciana Maximo

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