“FILHOS DA MÃE” – Mães solteiras e filhos abandonados pelos pais
Filhos da mãe, da avó, do avô, da tia, da vizinha. Mas, e o pai, cadê? Essa é a realidade de milhões de mães e filhos espalhados pelo mundo. Por que isso acontece? Como é a vida dessas mães e, principalmente, de que forma esse abandono paterno impacta sobre a vida desse indivíduo, dessa criança, desse futuro adulto? Qual o estrago que essa falta faz na estrutura emocional e psíquica dessa pessoa? De acordo com uma pesquisa do Instituto Data Popular, publicada em 2015 pela Agência Brasil, nosso país possui mais de 20 milhões de mães solteiras. Você faz parte dessa estatística?
Esse especial tem o objetivo de tentar ajudar mães e filhos a entenderem melhor esse assunto tão doloroso e complexo. Para isso, o jornal conversou com a terapeuta, escritora e educadora Maria Inês do Espírito Santo, Kathiuska Antunes (mãe) e Sulyan Gonçalves (filha).
Sulyan Gonçalves é advogada, tem 27 anos, e não conhece o pai. Ela e mais dois irmãos foram criados pela mãe e pela avó. “Confesso que é um sentimento forte de rejeição, a gente se pergunta o porquê de ter sido “abandonada” por ele, o porquê dele não ter tido curiosidade em saber se parecia ou não, enfim, são lacunas que talvez não sejam preenchidas”. Mas, o que leva um homem a não querer saber do filho? De acordo com a terapeuta e escritora Maria Inez do Espírito Santo, esse senso de responsabilidade que o homem desenvolve, esse carinho, essa vontade de cuidar e de estar junto do filho depende da criação que esse homem recebeu de sua mãe: “… a grande maioria das crianças, meninos e meninas, são cuidadas inicialmente pelas mulheres (mães ou quem as substitua, quando faltam). São raros os casos de bebês e crianças muito pequenas criadas por homens. Dessa forma, a influência primordial na educação de todas as crianças vem diretamente da mulher”.
Ou seja, a responsabilidade mais uma vez recai sobre as mulheres, e mostra o papel extremamente importante que temos sobre a humanidade. E isso não está somente relacionado aos homens, mas também ao modelo de mulheres que estamos desenvolvendo, que por sua vez criarão outros homens e mulheres, futuros pais e mães: ”… Essa estrutura psicoemocional, então, está ligada a um modelo de masculino, (ou do que é o papel do homem), que é passado, pelas mulheres, aos meninos: que comportamento se espera que tenham ou não tenham, que sentimentos devem ou não devem externar etc… Da mesma forma, o modelo de feminino ou do que é o papel da mulher, é passado através do exemplo e pelas atitudes maternas, para as meninas”, continua a terapeuta.
FOTO: Sulyan Gonçalves (filha) Arquivo
Legenda: Sulyan é uma das milhares de filhas que foram abandoadas pelo pai
Depois da pena, a luta pelo direito
“Já tive pena dele, já tive raiva, mágoa. Hoje só quero o que é de direito das crianças”. (Khatiuska Antunes)
Khatiuska já chegou a sentir pena do pais dos filhos, agora ela só quer o direito das crianças
Uma das preocupações da Reportagem Especial Filhos da Mãe é exatamente provocar reflexões sobre o abandono dos pais para que não se reproduza e que um dia consiga-se amenizar essa realidade.
São muito comuns também casos como o de Kathiuska Antunes, que foi casada com o pai de seus filhos, mas que depois da separação os abandonou, causando tristeza, transtornos emocionais e claro, revolta. “O mais velho é o que mais sente falta. Ele não vê o pai há meses…O pai continua morando na mesma cidade. Hoje com outra mulher e uma filha de 2 anos. Ele trabalhou por muito tempo há menos de duas quadras da nossa casa, nesse período se eu não levasse o menino lá, ele também não o visitava. Já chorei muito ao ver a tristeza e expectativas do meu filho que mesmo com tanta frustração guardada, ainda aguarda a visita do pai”.
Kathiuska Antunes tem dois filhos, um de sete e outro de três. O mais novo nem sabe o que é um pai, apesar deste morar na mesma cidade e trombar com ela pelas ruas e fingir não vê-la. Como lidar com essa situação tão comum em nossa sociedade? Como é difícil para uma mulher colocar esse homem na justiça, depois de tanto vínculo afetivo. Maria Inez orienta a procurar a justiça sim e se fazer valer os direitos da criança: “toda mulher precisa e deve fazer valer os direitos de seu filho, mesmo que não precise da colaboração material do pai da criança. Que faça uma poupança para a criança, se não precisa da pensão, mas que não abra mão dela por orgulho. É importante para a criança saber que o pai cumpre ao menos com as obrigações legais básicas. O que percebemos e sentimos é que a questão financeira é sim muito importante, mas o que machuca mesmo o coração desta mãe é ver o filho esperando pelo pai e não entender porque esse pai não se comove:” Hoje eu diria a ele que ele está perdendo a oportunidade de conhecer as pessoas maravilhosas que os filhos dele são. Está deixando de cativar lembranças felizes na memória deles. Está deixando de aprender diariamente o que é amor”, desabafa Kathiuska.
A relação da mãe é imensurável
Por fim e não menos importante, Maria Inez Espírito Santo, a terapeuta consultada pela Reportagem Especial Filhos da Mãe lembra que a relação da mãe com os filhos é imensurável e muito mais profunda que a do pai, portanto é compreensível que um homem que não seja um bom companheiro, que não tenha em sua índole a questão do respeito, do amor enfim, venha a ser mais propício ao abandono:” a maternidade é uma experiência muito mais profunda que a paternidade. Ao gerar uma criança você tem a oportunidade de se envolver visceralmente com ela, desde o primeiro segundo de sua existência. Por isso é tão difícil ser mãe suficientemente boa, sem exagerar, nem deixar faltar o que é essencial. Mas quando há possibilidade, os homens podem ser pais maravilhosos! Na verdade, se são bons parceiros (que é diferente de serem apenas bons amantes) têm mais condições de exercer bem a função paterna e equilibrar essa relação mãe/ bebê, maravilhosa, de extrema responsabilidade, mas que necessita de ser equilibrada”.
Independência
“Com certeza, a maior independência da mulher, sua reivindicação pelos seus direitos básicos, podem, talvez, dar a alguns homens a sensação de incapacidade em igualá-la e há pais que se anulam, persistindo num comportamento adolescente pela vida afora”. (Maria Inez do Espírito Santo, é educadora, terapeuta cultural e escritora. Foi fundadora e diretora da Escola Viva, em Petrópolis -RJ, uma instituição pioneira do trabalho considerado atualmente como de Inclusão).
*Ivny Matos é mãe solteira, atriz, jornalista, radialista, palhaça e poeta. Gestora da Dona Música Produções Culturais & Comunicação e colaboradora deste jornal.