Justiça condena governo a conceder carga horária especial à mãe de autista
Decisão é a primeira na história do Estado a garantir direito sem redução salarial.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) condenou o governo a conceder uma carga horária especial a uma professora efetiva da rede pública de ensino, mãe de uma criança autista nível 3 de suporte, sem redução salarial. A decisão, que quebra um impasse em relação à política de carga horária de professores em escolas de tempo integral, representa uma vitória histórica, pois pela primeira vez o Estado foi obrigado a manter o salário da professora integralmente, mesmo com a jornada de trabalho diferenciada.
A professora Elisandra Brizzola de Oliveira, que atua em uma escola de tempo integral, pleiteava a carga horária especial para poder cuidar de sua filha, Esther, de sete anos, diagnosticada com Transtornos do Espectro Autista (TEA) e de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), condições que requerem acompanhamento médico constante, o que inclui consultas, exames laboratoriais e medicações rotineiras.
Amparada pela Lei Complementar Estadual 1.019, que instituiu o regime especial de trabalho para os servidores públicos que tenham cônjuge, filho ou dependente com deficiência, ela fez o pedido formal à Secretaria de Estado da Educação (Sedu). No entanto, a solicitação foi negada, com a justificativa de que a escola onde leciona não oferecia a possibilidade de adaptação e que, caso desejasse usufruir do benefício, teria de ser transferida para outra unidade.
Ela descreve que foi tratada com “requintes de crueldade” pelo governo estadual, pois, com esse direito negado, sua filha enfrentou inúmeras crises e foi privada dos cuidados necessários para seu desenvolvimento. Elisandra acredita que, como mãe de uma criança com necessidades especiais, sua conquista pode servir de exemplo para outras mães que, diante das dificuldades, desistiram.
“Eu e meu marido somos dois professores e não tínhamos uma rede de apoio, então a luta para levar nossa filha às terapias era constante. Inclusive, perdi atendimentos porque minha escola se transformou em escola de tempo integral, e fomos obrigados a assumir a carga horária de 40 horas. Foi uma tortura ver minha filha enfrentando crises sem receber o apoio necessário, e cada recurso que o Estado interpôs mostrava que a inclusão não passava de uma bandeira política vazia”, explicou.
Embora a legislação estadual preveja essa possibilidade de carga horária especial para professores com filhos autistas, a Sedu só aceitava a mudança de carga horária mediante transferência para escolas de tempo parcial, o que acarretaria também em perda salarial. Diante do aumento das despesas com o tratamento de sua filha, a professora recorreu à Justiça para assegurar seus direitos.
O caso foi analisado na primeira Instância pelo juiz Rafael Murad Brumana, da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde, e teve decisão favorável à requerente. Em sua decisão, ele destacou que, embora a legislação estadual (Lei Complementar 1.019/2022) estabeleça que o regime especial de redução de carga horária incompatibiliza o servidor para regime que exija dedicação integral, esse direito é garantido pela Constituição Federal, sem prejuízo salarial, e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, à qual o Brasil é signatário.
“Não obstante a nova legislação estadual tenha disciplinado que o regime especial incompatibilizará o servidor para regime que exija dedicação integral ao serviço, entendo que tal limitação, no caso, apresenta-se desproporcional e desarrazoada, especialmente diante da informação prestada pela autora de que são poucas escolas que ainda não adotam a modalidade de ensino integral”, afirmou.
O juiz determinou a Sedu desse andamento ao requerimento administrativo da professora para reduzir sua carga horária de trabalho, com a condição de que ela se submeta a uma inspeção médica, e estabeleceu uma multa diária no valor de R$ 200,00, limitada a R$ 50 mil, caso o órgão público descumprisse a ordem judicial.
O Estado recorreu e encaminhou um recurso ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que decidiu por unanimidade manter a sentença que concedeu à professora Elisandra Brizolla de Oliveira o direito à redução de carga horária para cuidados com sua filha. O relator, desembargador Robson Luiz Albanez, considerou que a situação excepcional da filha da professora, respaldada por laudos médicos, justificava a necessidade de uma jornada de trabalho especial sem prejuízo salarial, em conformidade com a legislação vigente.
O advogado Amarildo Santos, que representou a professora Elisandra Brizzola de Oliveira no processo, considera a decisão como um marco na conquista de direitos para as famílias neuroatípicas. “Essa decisão foi histórica, pois foi a primeira vez que o Estado foi condenado a reduzir a carga horária de uma professora em tempo integral e, ao mesmo tempo, garantir que ela mantivesse o seu salário integralmente, sem prejuízo financeiro. Houve uma verdadeira quebra de braço com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que queria que ela fosse deslocada para uma escola de tempo parcial, o que resultaria em uma redução salarial”, afirmou o advogado.
Ele criticou a postura da Secretaria de Estado da Educação, que, ao aceitar a carga horária, impõe um corte salarial, o que representa um grande obstáculo para muitos professores. Para o advogado, embora o Estado se proclame defensor da inclusão, na realidade, as ações muitas vezes são diferentes do discurso. “O Estado só fica nesse discurso sobre inclusão, mas isso não adianta se, na prática, não se materializa”, enfatizou.
O professor Biágio Sartori Sampaio, pai de Esther, destacou a sensação de injustiça diante do direito negado. “Nós ficávamos muito angustiados, porque nossa filha precisa das terapias para o desenvolvimento dela, que tem um tempo diferente, e não conseguíamos acessar esse direito. Por trás dessa briga na Justiça, existia uma criança, e os pais também em sofrimento muito grande. Então fica um alívio e a esperança que essa decisão ampare outras famílias”, compartilha.
A professora Elisandra Brizolla de Oliveira, que enfrentou a batalha judicial, também ressaltou a importância da vitória após enfrentar longos desafios e espera a fim de cuidar das necessidades de sua filha. “Temos que divulgar essa conquista. Foram dois anos de luta, dois anos de muito sofrimento por um direito que é constituído”, pontuou.
Fonte: Século Diário