Lugar de toda saudade

Basta um dia assim friozinho para a gente logo se lembrar. O vento gelado cortando caminho pela ponte e pegando de jeito justo a mesa solitária na calçada, onde os mais tradicionais, fosse qual fosse a intempérie, teimavam em bater seu ponto de final de tarde, horário de entrada no Dok’s Bar.  E era o tempo que ditava: o pela-égua da Júlia para forrar o estômago, cachaça da boa para esquentar a alma e cerveja gelada, que toda hora é hora de cerveja gelada.

Mas não é um dia de calor escaldante que vai abater nossa nostalgia. Porque o CDM entendia de calor e era nele que reluziam seus dias de glória maior. Lá fora, a mesa solitária expandia seus domínios sobre os trilhos à espera do trem; lá dentro, ventiladores rodando ao contrário sem a menor serventia. E era o tempo que ditava: o pela-égua da Júlia para forrar o estômago, cachaça da boa para esquentar a alma e cerveja gelada, que toda hora é hora de cerveja gelada.

Então é assim: quem um dia já foi feliz, não se esquece nunca da felicidade. E o CDM era a felicidade em forma de bar. Pra quem gosta de gente, boteco e cerveja; para os apreciadores de jogar fora conversa séria; para os degustadores de pela-égua, torresmo e cachaça; para os que precisam exaltar a vida e reclamar da vida vivendo da melhor maneira que há; para os que se realizam na tolerância dos divergentes e se regozijam com o encontro dos iguais; para esses todos e muitos outros não havia e nunca haverá felicidade maior do que o CDM.

Hoje o nosso lugar virou saudade. Saudade do frio e do calor que fazia por lá, das geladas e quentes e dos tira-gostos bissextos, da cabeça da Ponte de Ferro emoldurando o palco de nossas vidas. Mas principalmente saudade das vozes e das gargalhadas, dos cochichos e dos conflitos, de comunistas e integralistas para sempre iludidos com seu sonho de um país melhor. Saudade dos vivos e dos mais vivos ainda, estes que resolveram se mudar para o mesmo universo onde hoje existem e resistem o Dok’s Bar, o CDM, a Praça Vermelha.

Saudade de Ramon, Baptistinha, Aúa, Doca, Dona Rosa, Cafunga, Jurinha, Hélio Bocão, Moema, Fulica, Mirela, Almir, Fabrino, Chico Nobre, Lauro Boi, Valdo, Galo, Braulino, Mixirica, Meio-Quilo, Marli, Henrique, Celinho, Júlia, Heron, Luiz e tantos mais. A minha saudade e a saudade de cada um que passou por lá. Tantas saudades juntas e separadas, saudade de tanta presença e de tanta ausência.

De tudo fica um pouco, disse o poeta, e do CDM foi isso o que ficou:  saudade demais, a festejar em nossa memória, brindando à vida e à morte, ao presente e ao futuro, a Cachoeiro e a todos os lugares secretos que nossa alma habita. Tim-tim!

 

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