O Bar amanheceu fechado

Foram mais de 20 anos, todos os dias lá estava ele, com seu cigarrinho, seu jornal, a paciência que dava gosto de ver. Simpático e de poucas palavras, completamente na dele. Um devorador de literatura, leu todos os clássicos que teve oportunidade. Falava de política com certa timidez. Da literatura, ele se orgulhava quando alguém com ele trocava dois dedos de prosa.

Um dia cansado da estupidez urbana e da violência que vem junto com indivíduos doentes pela dependência química, revolveu colocar grades nas portas do Bar, atendia por entre as grades. Também não era para menos. Oito assaltos.

Fernando Teixeira Damasceno, 59 anos, o comerciante que tocava seu Bar sempre respeitando a todos. Nasceu em Governador Valadares – Minas Gerais faleceu na madrugada deste dia 26, por volta das 3h01, no Hospital Evangélico de Vila Velha depois de sofrer duas paradas cardíaca e quatro enfartes.

Antes de escolher Piúma para tocar seu negócio, esteve em Juiz de Fora, onde conheceu Valéria do Carmo Damasceno e acabou se casando e tendo com ela um filho, Lucas do Carmo Damasceno. Há um ano e oito meses Valéria se despedia de Fernando e do único filho, Lucas, morreu após ficar duas semanas internada em coma.

Dono de um coração forte, o filho Lucas, puxou o pai, Fernando, no último instante doou as córneas num gesto de amor. Uma lição de Fernando para o filho. Ser do bem e bondoso para com o outro. Ele era um homem pacato, silencioso e muito bom. Teve 10 irmãos, mas só três estão aqui, os outros faleceram com problemas cardíacos.

Eta coração, hein, Fernando, quatro enfartos, tinha ponte de safena, mamária e cateterismo.

Nesta segunda-feira, ainda lendo o jornal diário hábito de todos os dias, por volta das 16h50 começou a passar mal, o sócio dele achou que estivesse dormindo na cadeira. Mas logo depois ele se debateu, suando muito e amarelado. Chamaram o SAMU e ele foi conduzido ao Hospital Nossa Senhora da Conceição em Piúma, chegou com a pressão arterial medindo 7X8. Depois de entrar no soro e ser medicado, reanimou. Porém, um rapaz chegou em convulsão e necessitava de mais atenção imediata e o eletrocardiograma de Fernando ficou para depois, este acabou acusando um enfarto.

Por volta de 23h50, o SAMU chegou e o comerciante foi encaminhado ao Hospital Evangélico de Vila Velha, no meio do caminho ele apresentou mais um problema. Chegou a Vila Velha as 01h50 direto na emergência e lá teve uma parada cardíaca, foi reanimado, o médico chegou rapidamente e pediu um cateterismo, mas ele teve a segunda parada cardíaca nesta madrugada do dia 26, às 3h01, ele não resistiu e se foi.

A vida inteira foi comerciante, mas trabalhou em obras e deixou sua marca nas plantas que ele desenhava com maestria e o engenheiro só assinava. “Eu brincava até com ele, que ele era um engenheiro sem diploma. Todas as plantas das construções que ele fez, sempre foi ele quem desenhou, o engenheiro só teve o trabalho de assinar”, contou o filho único.

Orgulhoso do pai, Lucas disse que o pai sempre foi tranquilo, quieto e na dele. “Ele lia livros, revistas, adorava jornal. Todo os dias, lia muito.

O Bar do Fernando hoje se chama Três Irmãos, amanheceu fechado, ontem e hoje. Ele não estava lá para receber os clientes e os amigos que batiam cartão todos os dias. Não tinha MPB tocando, ele amava a Música Popular Brasileira, tinha um bom gosto danado e a TV ficou desligada na hora do Jogo, que certamente ele iria gostar muito do resultado, apesar de ser um crítico contundente e conciso. Esta cronista teve a sorte de tê-lo como leitor e admirador. Não podia sair a edição do jornal e não levar para ele. Gostava de se informar e saber o que estava acontecendo ao redor dele.

Que Deus o receba, meu querido leitor Fernando, que honra poder ter dividido com você tantas informações e tantas ‘biritas’, quando fui sua vizinha de bairro. Aos familiares ficam o nosso abraço e votos de pesar.

Lucas, cumpra sua promessa, conclua o curso técnico de eletrotécnica que lá de cima seu pai vai ficar mais feliz ainda.

O corpo de Fernando foi velado no salão da Igreja Menino Deus e sepultado no Cemitério do bairro Aparecindinha, as 8h00 desta quinta-feira.

 

 

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