Para sempre juntos, a vida e a morte os uniu
Uma linda história de amor que nem a morte pôs fim. O casal morreu no mesmo dia 08, no mesmo hospital em Piúma e foram sepultados na mesma cova. Eles pediram a Deus para morrerem juntos
Tal qual Romeu e Julieta, o pastor Argeu Fernandes Leiroza, 76 anos, e a dona de casa, a pernambucana, Valdete Maria Lins Leiroza, 74 anos, tiveram um fim neste plano semelhante à tragédia de Willian Shakespeare, com uma diferença sem precedentes. Não havia desunião entre as famílias e nenhum dos dois se envenenou. Romeu e Julieta, pertence a uma tradição de romances trágicos que remonta à antiguidade. Argeu e Valdete, representam uma história fantástica de amor, que nem a morte os separou. Aliás, a morte os uniu para sempre.
Romeu e Julieta é uma tragédia escrita entre 1591 e 1595, nos primórdios da carreira literária de William Shakespeare, sobre dois adolescentes cuja morte acaba unindo suas famílias, outrora em pé de guerra. A peça ficou entre as mais populares na época de Shakespeare e, ao lado de Hamlet, é uma das suas obras mais levadas aos palcos do mundo inteiro. Hoje, o relacionamento dos dois jovens é considerado como o arquétipo do amor juvenil. Argeu e Valdete, se assemelha a história de Romeu e Julieta porque surge também quando ambos eram jovens. Ela e ele se conheceram dentro de um ônibus, no Rio de Janeiro, há mais de 56 anos. Ela nordestina, e ele carioca, ela trabalhava na Fábrica de biscoito Piraquê e ele soldado da Aeronáutica. Foi amor à primeira vista.
Assim que Argeu avistou Valdete, foi logo dizendo: eu quero te namorar. Ela já tinha namorado e mesmo assim, ele a cercou durante dias em volta da Fábrica, até que um dia a abordou dizendo que ela deveria terminar com o namorado que ele se casaria com ela. Um amor infinito. Ele chegou em casa e pediu que os seus pais fossem pedir aos pais dela para namorar em casa. E assim iniciou o romance que durou 54 anos de casamento. Eles se casaram em 15 de junho de 1961 e faleceram, no mesmo hospital, Nossa Senhora da Conceição em Piúma, no dia 08 de fevereiro. Ele deu o último suspiro as 12:20, e ela às 14:45. Nenhum deles ficou sabendo da morte do outro. Ambos tiveram enfarto fulminante. Piúma parou na segunda-feira de carnaval para acompanhar essa história inusitada.
Meus pais foram arrebatados
Uma família dedicada a fazer o bem e a amar ao próximo. De forma nenhuma dona Valdete conseguiria continuar vivendo sem fazer o que mais fazia na vida, ajudar ao outro. Tudo que encontrava nas ruas reformava, transformava e doava. Argeu, da mesma forma, não conhecia a palavra emprestar, tudo era doado. A esposa pedia de casa em casa alimentos e doava a quem não tinha o que comer. Ele comprava frutas e verduras e doava, todos os dias. Eles se amavam de forma única. Todos os dias ele acordava e fazia o café, colocava a mesa, a servia, arrumava a cozinha e a ajudava nos fazeres da casa. Ele estava aposentado, era professor de direito, foi soldado e advogado, e há 12 anos pastor da Igreja Assembleia de Deus, no mesmo bairro onde morava.
Quem narrou a primeira parte da história dos pais, foi a filha, Bárbara Lins Fernandes Leiroza, que contou como a morte aconteceu.
Dona Valdete entrou em depressão assim que o médico descobriu uma hérnia de disco e disse que ela tinha de fazer repouso se quisesse ficar curada. Sem poder fazer o que fazia, ela foi ficando muito triste. Em uma semana ela emagreceu 15 quilos. Na segunda-feira, 08, ela pediu para ser levada ao hospital, foi conduzida e chegou com a pressão arterial 6 por 2. Foi socorrida, mas o médico a avisou, só por um milagre. Foi logo entubada e fizerem de tudo.
Assim que o pastor chegou em casa de bicicleta, ele ficou sabendo que a esposa estava no hospital e seguiu para lá. Bárbara desceu para falar com o pai, e assim que disse que só um milagre salvaria a mãe e se dirigiu ao quarto, o pai sofreu um infarto e morreu sentado na cadeira do papai.
Ela então foi avisada e desceu para entrar em contato com a família e cuidar da parte burocrática, do velório e sepultamento. Enquanto dava os primeiros passos e conversava com o médico que fazia o atestado da morte, veio a noticia. “Hoje tem duas festas no céu, sua mãe foi ao encontro do seu pai, acabou de fechar os olhos”. Ainda faltavam 15 minutos para às 3 da tarde. Ela então continuou na parte burocrática, e foi preparar o velório dos dois. “Deus fortalece a gente. Meu pai foi a óbito 12:20. O impacto foi muito forte. Ele sempre falou, eu não vou viver sem sua mãe. Eu quero morrer primeiro. Eu não quero vê-la morta, eu vou morrer em seguida, Deus realizou esse desejo do coração dele. Eu estou tratando do sepultamento e minha mãe ficou lá. Eles estavam tentando uma transferência para ela, e não estavam conseguindo. Eu voltei em casa para pegar as roupas do meu pai e arrumá-lo e fui ao encontro do doutor Cesar para ele fazer o atestado. Eu estava tranquila, eu sei que os meus pais morreram. A carne para mim é podre, matéria para nada presta, o importante é o espírito que está com o senhor. Nós que temos certeza da salvação em Jesus Cristo, o corpo pode até queimar, o importante é o espírito. Minha ficha caiu, até porque o senhor prepara o povo dele para passar por esse momento. Deus não é covarde, Ele não deixa os filhos dele passar sozinhos, Ele prepara o caminho para nós”.
Para Bárbara, Deus realizou um desejo do coração deles. “Eles foram sepultados na mesma cova, foi lindo. Uma cena muito bonita, com muitas fotos e cultos de adoração a Deus. Quando a gente tem Jesus, não tem capeta que entristece a gente. Eu falei para o meu irmão caçula que estava em desespero, que ele precisa lembrar-se da nossa mãe, da alegria, da força de vontade de viver, da bondade da qual era para todos, do nosso pai, a responsabilidade, o respeito e a dignidade. Eles foram para Jesus, precisamos olhar para frente”, frisou.
Um amor para recordar
Vandergett era muito apegada ao pai, com quem confidenciava sempre. “Meu pai começou a marcar os caminhos dela. E ele disse para ela terminar com o namorado, que ele queria namorar com ela. Ela tinha muito medo do meu avô, um alagoano arretado, do tipo que andava de facão e chamava pra briga. Meu pai tirou minha mãe do trabalho e ela foi trabalhar em casa de família. Minha avó não queria o namoro, ele tirou minha mãe do trabalho, levou para a casa da minha avó e disse: mamãe, a senhora vai tomar conta da Valdete e agora tem de ir lá falar com o pai dela. Ele dizia que ia se casar com ela, mas aos pais dele é quem deveriam pedir a mão dela para ele. Meu avô, pai de papai, muito calmo falou: “Didi, vamos lá falar com seu José. E aí tudo começou na história deles. Em seis meses eles namoraram e casaram, e então começou a nossa história”.
Passaram fome juntos e tempos difíceis, mas venceram. Seu Argeu foi policial civil aposentado no RJ, fez direito, se tornou advogado e professor, foi também detetive e investigador. “Eles sempre diziam que o amor deles era o mesmo quando se viram pela primeira vez dentro do ônibus. Um não vivia sem o outro, eles sempre falavam”.
Uma lição de vida
Wagner era o filho mais velho do casal. Estava tranquilo e muito sereno. “Meus pais foram ícones para nossa vida em todos os sentidos. O amor que eles tinham, independentemente com a comunidade, era o mesmo amor para conosco. Não havia discriminação quanto ao tratamento, eles tratavam todos com amor. O que eles eram aqui dentro, eram também lá fora. Essa referência, o amor que eles tinham de sempre ajudar as pessoas era recíproco conosco. Eles foram exemplos e o que sou agradeço aos meus pais. Sou advogado há quase 30 anos e me faltam palavras para externar o que eles representam para mim e meus irmãos. A partida deles no mesmo dia deixa um vazio, porque foi impactante da forma que Deus os levou, mas foi da maneira que eles sempre pediram. Eles se abraçavam e diziam, se você morrer eu morro junto. O que eles sempre pediram Deus realizou, o poder da palavra, é o que conforta, é saber que estão na glória do senhor. No meu entendimento é que Deus os arrebatou. Minha mãe fechou os olhos devagarzinho e meu pai, a mesma coisa. Os espíritos dos dois foram retirados. Deus os chamou e disse vem”.
Do casal mais romântico já conhecido em Piúma, seu Argeu e dona Valdete tiveram cinco filhos: Vandergett, Wagner, Wandergell, Bárbara Fátima e Joselízio, todos herança dos Lins Fernandes Leiroza. Uma família de princípios e com uma história fascinante para ser contada. Os pais foram felizes e no último dia de vida, morreram no mesmo hospital e foram sepultados na mesma cova, no mesmo horário.
6 Comentários
Noossa que surpresa saber ido falecimento dos dois! É muito triste, eu sempre os avistavam quando andava na rua. Duas pessoas maravilhosas com os sembrantes magnificos, mas a missão dos dois na terra foram realizado com maestria, onde foram concebidos filhos com caráter, eu mesmo conheço alguns deles. Que Deus os tenham em plenitude e que os filhos e netos tenham como aprendizado essa linda historia de amor. Recordei-me do livro de Nicholas Sparks. Parabéns ao Jornal pela exposição de uma matéria que não seja apenas envolvendo violência ou tragédias, tão abordados lamentavelmente nos dias atuais pela mídia em geral.
Linda História!!! Eu os conhecia de vista! Sempre nos cumprimentávamos. Que eles possam estar juntos ainda hoje.
Obrigada Luciana, por fazer esta linda homenagem aos meus pais. Eles eram pessoas maravilhosas, sabemos que eles vivem em Cristo Jesus! Obrigada Piúma por acolherem meus pais eles amavam viver aí. Deus abençoe a todos!!!
Quero agradecer a reportagem sobre meus pais.Esperei alguns dias para agradecer porque ainda não tinha condições emocionais de reviver o quê vivemos no dia 08/02. É uma experiência impactante perder os dois no mesmo dia , não há como descrever tal sentimento, mas com certeza o vazio é muito grande e somente o Senhor Jesus para nos confortar neste momento.
Nossos pais sempre foram amados e respeitados por todos nós e pela comunidade que os conheciam.
Que o Senhor Jesus te abençoe poderosamente .Amém!
p.s: sinto muita falta deles…
Nossa Wander que história mais linda, eu só não chorei por que como falou sua irmã isso é a mão do senhor e estão na glória, que testemunho de vida!
Eu os conhecia desde os meus 9 anos de idade. Sempre fui muito amigo dos netos deles, em especial o Phellipe, com quem estudei avida quase toda. Sempre admirei o amor deles! família exemplar, sempre fui bem tratados por todos! Ano passado passei as férias do quartel em Piúma, passei uma tarde/noite na casa deles, tomei café relembrando quando fazia isso na época da escola… Ouvi lindas histórias de da época em que ele era militar aqui no Rj, pra dizer a verdade, acho que foram umas 3 horas de prosa! foi sensacional! Matei a saudade, dei um grande abraço e um beijo em cada um e disse que estava muito feliz em revê-los, senti reciprocidade pura! Nas férias deste ano eu iria repetir a visita, mas recebi a notícia e meu mundo desabou ao saber do ocorrido. Chorei feito criança, mas sabia que mesmo de longe deveria dar forças ao meu grande amigo/irmao, o Phellipe! fiz minha parte, o que mais nos deixa tranquilos é saber o quão grande era o amor deles e isso nos conforta! Hoje ficam as boas lembranças, assim que eu lembro deles, sempre rindo e ajudando as pessoas! “Vamos viver e um dia a gente se encontra!”