‘Proscrever livro beira o nazismo e é como jogar na fogueira’
Vereador André Moreira solicitou informação à Prefeitura de Vitória sobre recolhimento de três livros infantis.
O vereador de Vitória André Moreira (Psol) encaminhou requerimento de informação para a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) sobre o recolhimento dos livros infantis O Peixinho, O Barba Azul e Mamãe Nunca Me Contou. As obras foram recolhidas pela Secretaria Municipal de Educação (Seme) nessa quinta-feira (28). Contudo, o pedido de requerimento foi feito na quarta, já diante dos rumores de que a medida seria efetivada pela Secretaria Municipal de Educação (Seme).”Solicitamos informações em relação ao recolhimento dos referidos livros, como o motivo pelo qual as obras foram retiradas, de onde partiu a ordem de recolhimento, bem como se existe alguma relação entre tal ordem com questões relativas à identidade de gênero”, diz o documento.
A gestão de Lorenzo Pazolini tem até 30 dias após o recebimento do requerimento para responder. André Moreira informa que, havendo resposta ou não, após o término do prazo, irá dialogar com seu partido sobre a possibilidade de mover uma ação judicial, pois “é direito das pessoas ter acesso ao livro”.
“Proscrever livro beira o nazismo e é como jogar na fogueira. E isso está acontecendo em um Estado onde um pai militar postou Mein Kampf nas redes sociais e ninguém fala nada”, destaca, referindo-se ao livro de Adolf Hitler do pai do adolescente que invadiu duas escolas em Aracruz, norte do Estado, há um ano, disparando diversos tiros e deixando quatro vítimas fatais.
A alegação para recolher O Peixinho, segundo os trabalhadores da rede municipal de ensino que preferem não se identificar, por medo de represálias, é que, no início, a autora usa o termo todxs em vez de todos. Mamãe Nunca me Contou, que está nas escolas desde 2010, é porque trata das curiosidades das crianças com as quais os adultos têm mais dificuldade de lidar, como os questionamentos relacionados à sexualidade e à homossexualidade. Em relação ao O Barba Azul, não houve muitas explicações por parte da Seme.
Para eles, o ocorrido trata-se de “uma pauta reacionária, conservadora, uma ruptura com a gestão democrática e com a autonomia pedagógica das escolas”. Eles apontam que os livros são “patrimônio das escolas” e, “de forma, lúdica, ensinam o respeito à diversidade”. “O que querem? Simular para as crianças uma vida que não existe, que não faz parte da realidade? Impedir o aprendizado da alteridade? Impedir que se combata a homofobia?”, questionam.
O diretor executivo do grupo Professores Associados pela Democracia de Vitória (PAD-Vix), Aguinaldo Rocha de Souza, aponta que a iniciativa da Seme “é um dos tentáculos do Escola Sem Partido”, embora o projeto não tenha sido implementado em Vitória, pois “tenta cercear o debate sobre a diversidade”. “As minorias precisam fazer parte da nossa literatura, do debate político, do debate social, do debate de qualquer natureza”, defende. Para ele, a linguagem neutra “é importante para as pessoas serem entendidas a partir da diversidade, e não de uma igualdade que não existe”.
Aguinaldo defende que a escola deve promover uma relação de compreensão entre as pessoas, pois “muitas se mutilaram, se mataram, se negaram por causa da homofobia, de uma visão de mundo onde se estabelece um modelo que nega o outro em sua existência”.
O diretor executivo da Pad-Vix destaca que a iniciativa de recolher os livros foi feita “no silenciamento das férias”. Ele recorda outras atitudes da gestão de Lorenzo Pazolini consideradas impopulares feitas nessa mesma época em anos anteriores. Em janeiro de 2021, a gestão municipal aprovou a reforma da Previdência. No mesmo mês, no ano seguinte, a reforma do ensino fundamental, aumentando a carga horária.
Os livros
O Peixinho, de autoria da escritora capixaba Fabiani Taylor, conta a história de um peixe que vivia no mar e gostava de brincar com seus amigos peixes, sem se abrir para novas amizades. Por isso, quando o cavalo do mar quis brincar com ele, o peixe não quis. Tudo mudou quando, ao nadar com os amigos, o peixe e sua turma foram aprisionados por uma rede, sendo libertos pelo cavalo do mar e seu amigo polvo. A partir daí, todos viraram amigos.
Mamãe Nunca me Contou, da escritora inglesa Babette Cole, procura suscitar entre os leitores reflexões sobre questões diversas, como sua origem, as diferenças entre meninos e meninas, identidade de gênero e adoção.
Não há especificações, segundo os trabalhadores, sobre qual versão de O Barba Azul se trata. A história é de autoria do escritor francês Charles Perrault e traz como personagem principal um homem rico, feio, que tinha uma barba azul. Ele já havia casado algumas vezes, mas suas esposas haviam sumido sem deixar rastros. Depois arranjou uma nova esposa, encantada com sua riqueza e com a maneira educada de tratar as pessoas. Um dia, aproveitando que o esposo não estava em casa, ela adentrou um quarto no qual havia sido proibida pelo marido de entrar. Lá estavam os corpos das esposas desaparecidas.
Barba Azul, ao retornar, percebe que a chave do quarto está suja de sangue, conclui que a esposa o desobedeceu e tenta matá-la, sendo impedido pelos cunhados, que o matam. A viúva herda toda a sua fortuna. No Brasil, uma das versões de O Barba Azul é da escritora Ruth Rocha, de São Paulo, um dos grandes nomes da literatura infantil brasileira.
TEXTO: ELAINE DAL GOBBO – FONTE: Século Diário – Foto/ Divulgação