SAUDADES DA MINHA TERRA: Kennedy em prosa e poesia: 58 anos de Emancipação
“Ah que saudade que eu tenho da minha infância querida que os anos não trazem mais”.
No terreiro da casa da Tia Fiota, os piques de bandeira e a casa de farinha. Os banhos nos brejos e à beira da cacimba pegando água na lata para encher a talha lá no Eucalipto. Tempo difícil, para se chegar à cidade e refrescar com uma batida de abacate no bar de seu Newton e dona Zazaia era preciso se embrenhar na estrada de terra batida de carroça.
As compras eram feitas na venda de seu Ocreme, na antiga rua da Bosta, e depois, no Valmir da Banha. Tempo duro, tempo bom, saudade danada do pé de maracujá, da casa de Dona Samila. Saudade dos bolos de aniversário da tia Lídia…
Lembro das roças que plantávamos, milho, feijão, mandioca para fazer farinha, arroz e amendoim, a gente semeava cantando. Nunca nos faltou nada. Tempo que caçar era legal, preás, lagartos, pacas e tatus. Boleba e amarelinha no terreiro, nossa diversão de todos os dias. Eu sou de lá, de “Kenni” como diz mãe…
A sua história também é minha. Ainda sinto o cheiro do café exalando do bule, aquele feito no fogão a lenha. Sinto o cheiro do leite fervido na hora, na chaleira, o leite que viera do curral dos Costalongas…
É, parece que ouço o trotar dos cavalos nas estradas de chão, o cheiro de terra molhada depois da chuva na mata. “Ai que saudade da aurora da minha vida que os anos trazem mais”, me lembra Gonçalves Dias, em adoração a sua pátria.
Nem sonhávamos com o ouro negro. Que alegria ir à Praia de Marobá em cima do caminhão, a farofa e galinha…
Nunca, naquele tempo em dezembro de 63, quando seu Afonso Costalonga e Luiz Cardoso preparavam um projeto mirim e juntos partiram pra luta e na Assembleia Legislativa Antônio Jacques já esperava com grande expectativa. Tudo começava ali.
E como poetizou Dadir, na Assembleia foi surgindo a intenção e o deputado Simão Nader logo deu a sugestão, já não mais seria Batalha o novo município e, nos anais daquela Casa, ficou tudo registrado, era Presidente Kennedy, o município recém chegado.
“A origem deste nome veio dos Estados Unidos com a morte de um presidente, por sinal muito querido, aliança para o progresso foi seu lema, em ajudar aos países do terceiro mundo com alimentação escolar”.
Nossa inesquecível poetisa em versos registou: “como maneira de agradecer a quem no traz bonança, no Estado do Espírito Santo Kennedy ficou na lembrança”.
“E em 30 de dezembro de 63 com esse nome foi registrado na Lei mil novecentos e dezoito tão depressa foi publicada e no dia 04 de abril, do ano de 64 foi instalado o município na apreensão de muitos boatos. Irysson Soares da Silva, primeiro interventor, neste dia tomou posse por ordem do governador”.
E Dadir continuou tão apaixonada pela cidade, foi logo nomeada, e depois, já vereadora, de sua caneta a primeira Lei Orgânica da cidade. “Sob os efeitos da revolução de março de 64, todos pareciam muitos tristes aguardando todos os fatos. Iryson cuidou logo de fomentar o primeiro assessorado, tendo Manoel Gomes como primeiro convidado, foi o primeiro funcionário… Em minha sala de visitas, a seguir, fui convidada para assumir um cargo sem ser remunerada e na limpeza da rua, era o colega Geraldo, que ganhava dez cruzeiros”, poetizou.
Tudo começara lá, sem verba e sem dinheiro “com o territorial e predial que não dava nem pro cheiro, um ano depois, por ordem do governador foi afastado o primeiro interventor. Em maio de 65, muito enérgico e audaz assumiu a prefeitura um novo capataz, era Virgílio Brezinsk, homem de muito valor, depois de um ano e nove meses com alguma estrutura comprou um F600 e construiu o prédio da Prefeitura. E em novembro de 66, houve a primeira eleição, sendo eleito prefeito, seu Manoel Fricks Jordão”.
Andando pelas pacatas ruas dá pra ver que muitas mudanças já ocorreram ao longo da sua trajetória, outras precisam acontecer. Os moradores mais antigos olham de rabo de olho e não reconhecem mais os jovens da atualidade. A quem pergunte: “ah, você é filha de fulano” outros insistem, “mais você é filha de quem?”…
Tivemos de tudo um pouco, festas, e confusões, manchetes de jornais e prisões.
La da Ruas das Palhas, seu Barreto aos 90 anos traz na lembrança uma saudade de um tempo que não volta mais: “Minha filha, antigamente não tinha carro, a gente andava de cavalo, as ruas eram de barro, a gente não tinha energia, era lamparina pra lumiar”…
“Dona Nega” e outra moradora da antiga Batalha, mulher guerreira que criou seus filhos com suor de seu trabalho, olha a cidade e logo numa prosa com uma caneca de café, franzi a testa e diz: “Menina, antigamente Kennedy era muito diferente, eu vivi numa época que era difícil viver, não tinha tantas facilidades, pra ir no médico era muito difícil, hoje a cidade tá muito mudada”, terminamos a conversa com um bom café.
Sentimos saudades de tanta gente que deixou suas pegadas, seu Orestes, o homem do chapéu preto, seu Lúcio Moreira, o brabo “delegado”, Beri Barreto – o nosso advogado, as meninas de Amaro Lampeta, Deja, Manoel da Mula, Dona Cabocla, Louro – o taxista, Celsão – o policial, seu Malaquias, Dona Dadir, seu Memeu da Bulandeira, ah, Metilinho, o furador de cacimba e tantas outros filhos tão queridos, tão amados e esquecidos…
E hoje, 58 anos completa a cidade, poetizada, amada e cheia de sonhos e expectativas. O seu povo aguarda o tão sonhado desenvolvimento e progresso. Feliz Aniversário – Presidente Kennedy!