Viver para contar – A história real de uma PC vítima de violência doméstica

 

“Imundície, nojento, podre”… Ele era para ter sido expulso da polícia, mas foi apadrinhado e chegou a ter alta patente na corporação! Relatos de mulheres vítimas de violência doméstica chocam pela atrocidade.

*Nomes foram alterados para preservar a identidade e a intimidade da vítima

 

 

Ela escreveu muitas cartas às irmãs dizendo que o ex-marido iria matá-la a qualquer momento. Ela foi estuprada por ele e teve a casa queimada para que morresse carbonizada. Apanhou tanto que foi parar no IML, quase morta. No limite do ódio entrou no pátio do Batalhão da Polícia Militar, com seu carro prestes a passar por cima dele, após saber que tentou estuprar a irmã. Ela já perdeu dentes com tapas na cara. Numa outra cena de destempero dele, ela, armada, o desafiou a cumprir a ameaça de invadir sua casa, estava à beira do abismo da loucura e ele, escapou como um rato.  Ela, por fim, substituiu o giz um revolver calibre 38 e, hoje traz à memória essa história macabra, numa tentativa de ajudar a reconstituir famílias dilaceradas pela violência doméstica.

 

História exibida – Nero

 

A delegada, que na época defendia as mulheres naquela cidade, sabia da história de Maria desde criança e, assim como todos no local, sabia que o ex-marido trazia o apelido de Nero, depois que colocou fogo dentro de casa para queimá-la e só não teve sucesso porque os vizinhos apagaram as chamas. “Eu sentei na cama e falei: “Não tem problema; eu prefiro morrer a aturar isso ai,”. Ele não queria que eu trabalhasse, nem estudasse. Eu falei pra ele que meu trabalho e meu estudo não me batiam nem traíam”, relata.

‘A delegada sabia de tudo, sabia de uma cena, em especial, quando fui parar no Instituto Médio Legal – IML, carregada, quase morta de tanto apanhar dele. Se eu parei de apanhar? Sim, parei. Parei quando substituí o giz por uma arma!

Fiz o concurso quando estava separada dele. Dava aulas no Rio de Janeiro, mas voltei pra cá e logo em seguida, passei no concurso da Polícia Civil”.

Mas Maria voltou para a cidade e novamente foi viver com o “Nero”, as filhas eram muito pequenas. Maria afirma que enquanto a mulher está nova e tem muito assédio sobre ela, o homem a toma como propriedade, como objeto.

Parei de apanhar o dia que eu abandonei o giz e peguei uma arma.

Aquela delegada que a conhecia muito bem, quando estava no plantão e Maria estava na perícia, quantas vezes estava lá, “de boa” aconselhando uma mulher, dando força para uma vítima, tirando do buraco, mandava chamá-la onde estivesse, puxava pelo braço, a exibia e gritava: “sabe quem é essa mulher aqui? Você sabe o que essa mulher passou na vida, me descrevia para as pessoas, essa mulher aqui é sinônimo da “mulher” que tem que reagir, porque essa reagiu”.

Maria, que viveu na pele o inferno, acabou na profissão salvando muitos lares, muitos casamentos. “Em Muqui, um escrivão quando me via, tocava com a boca a marcha nupcial: tam tam tam, tam tam tam, tam tam tam… tam tam tam, tam tam tam… alguns casais entravam brigando um com o outro e saiam de lá de mãos dadas. Um dia alguém comentou que, no meio da desgraça, o nosso Deus faz graça. Não é porque o meu casamento não deu certo, que outros não vão dar. Eu fui cobaia para hoje levantar muitas famílias”.

 

Supermercado

Certa feita Maria estava no supermercado fazendo compras. De repente um homem surgiu do nada a sua frente. Ela se apressou, ela estava sem a arma e trabalhava na Delegacia da Mulher. Sentiu medo, o homem a encarava e ela não entendia o que ele queria. Com pressa para fugir dos olhos dele foi para o caixa, momento em que ele se aproximou e disse: “Eu quero falar com a senhora! Sem saída Maria aceitou o pedido e ouviu dele: “Olha, a senhora construiu o meu lar. Eu não era homem, não era pai e judiava da minha mulher. Eu fui parar na Delegacia da Mulher”, confessou. A mulher dele havia sofrido um AVC e ele vivia em bailões, bêbado batendo, inclusive, na filha que o denunciou. Ao final ele disse: “ Eu virei homem!”.

 

Três filhas pedem desculpas e vão acertar as contas com o pai

 

“Mãe você criou a gente e você nunca jogou a gente contra ele” Só que neste momento, ele precisa de nós, nós te damos razão, mas ele está escondido e ninguém sabe onde ele está depois do que você fez lá no quartel. Ele saiu 5h e ninguém sabe onde ele está com medo de você. Mãe me perdoa, mas agora vamos achar ele; agora ele vai se ver com a gente”. Ele havia tentado estuprar uma irmã de Maria após descobrir que a cunhada era lésbica e queria mostrar como é que faz mulher gostar de homem. Maria invadiu o quartel e queria matá-lo. “Depois ele voltou, noivou com outra, ficou evangélico e me pediu perdão, disse que ia noivar e batizar para casar, e que ele tinha uma cova pronta para me matar e me enterrar. Eu sabia até onde era a cova. Eu passo por lá e louvo a Deus, porque eu estou viva. Sabe a história da Milena Gottardi? Quando leram a carta dela, eu me lembrei de quantas cartas iguais aquela eu já escrevi”.

Viver para contar – Tapas na cara, dente quebrado e..Revólver na cara dele!

Uma noite, após a separação, o agressor queria, a qualquer custo, encontrar Maria após observá-la na rua mais movimentada da cidade.  “Não tenho nada para falar com você! Em resposta ele sentou a mão na minha cara e o sangue soltou da minha boca. Entramos em luta corporal eu dei muita porrada na cara dele, na primeira oportunidade eu tirei a arma e apontei na cara dele, sob os xingamentos do pior tipo possível!  Ele amansou, a P2 soltou e ele foi embora.”

Em seguida, um homem de alta sociedade e com alta patente militar me deu o lenço e me parabenizou porque eu não tinha atirado nele e que ele estava na mira com o gatilho apontado. Graças a Deus, eu levei a mão na boca e vi sangue, eu parti, graças a Deus ele tinha saído senão eu tinha matado ele. Mas eu virei heroína na avenida mais nobre da cidade e as pessoas diziam: “Você bateu nele exatamente aqui onde ele bate em todos.” “Ele foi à minha casa e falou com minha irmã que naquela noite ele ia me matar. Deus é tão lindo que eu liguei para minha irmã e ela me pediu que não fosse embora, pois ele estava com uma pistola e ia me matar. No outro dia, o delegado da cidade mandou uma viatura me buscar e um comandante da P2, o delegado ligou e falou com ele que a partir daquele momento eu estava com a pistola dele e com segurança. Saí disso sem oito dentes e o projeto de um livro.  Eu sobrevivi e vou viver para contar!

 

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